Botswana, Foto T.Abritta, 2008

sábado, 13 de agosto de 2016

Jequitinhonha, décimo primeiro capítulo: Nesta Fria e Chuvosa Manhã


        ...aqui em São Paulo, andava de um lado para outro.  Deslizava os dedos pelas lombadas dos livros nas estantes.  A maioria já lida.  Outros, apenas conhecidos por referência, lá repousavam.  A Máquina do Tempo de HG Wells ao lado de livros sobre História.  Difícil entender meus critérios na arrumação das obras por assunto.  Lá no canto, Grande Sertão Veredas.  Abrindo numa página qualquer, a voz de Riobaldo:

          O senhor tolere, isto é o sertão.  Uns querem que não seja: que situado sertão é por campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia, Toleima.  Para os de Corinto e de Curvelo, então, o aqui não é dito sertão?

          Como uma viagem no tempo, as discussões literárias na casa do Juiz:

          Mas este escritor está mais para Cientista.  Percorre estas terras anotando nomes de plantas, rios, animais...
          Como pode um diplomata tão erudito passar dias escutando conversas de gente boba da roça?

          Ora, mas sete anos antes da Semana de Arte Moderna de 1922, os jornais falavam o mesmo de Afonso Arinos: “nas entradas no Sertão, a que se entregava periodicamente, tinha o cuidado de evitar a gafe, e ele dispensava seus elegantíssimos ternos citadinos para esfarpelar-se à moda sertaneja, sem esquecer coturnos, chapelão de couro e roupa de brim”.

          Mas o roceiro é contemplativo. Sabe admirar a Natureza.  Sabe cantar a beleza feminina: fulana é forte, bonitona e sacudida...

          O que seria da Vida sem estas belezuras, as éguas, o boi no pasto e as muié?

          Todos riram e um gole de cachaça para brindar

          Fechei os olhos, as lembranças das minhas incursões médicas por este mundão de Deus.  Tratava desde tosse-de-cachorro, bicho-de-pé e até doenças graves.

          Cheguei a escutar as cantorias, que de longe anunciavam a chegada em alegres comunidades...

Bambu, quero ver quebrar
Êêêê bambu, cê quebra já
Cê quebra devagarinho
Êêêê bambu,
Prá não machucar

Roda morena, morena torna rodar
Nunca vi em quem tem amor
Despedida sem chorar

         Juntei toda a papelada, numerei as páginas e pacientemente encadernei costurando com uma agulha de sapateiro.
          E assim termino esta atrevida incursão literária.
          Como num amanhecer, as estrelas abandonam o céu, os vaga-lumes vão se apagando medrosos e ocultando-se no segredo da vegetação, enquanto seus derradeiros lampejos na mata se misturam ao clarão do dia nascente, formando uma luz turva, indecisa, incolor (*).


(*) De Canaã Graça Aranha.


 Avenida Rio Branco, Rio de Janeiro, anos 50.


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