Botswana, Foto T.Abritta, 2008

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Novo Apólogo


Eu, o disquete de 5¼”, agora aqui esquecido

os 360 Kb que guardava foi prodígio tecnológico.

Meu corpo plástico ainda muito sobreviverá

mas e a memória magnética há tanto deteriorada?

 

Não fique triste.  Eu fui sua versão moderna.

Com apenas 3,5” armazenava 1,44 Mb.

Depois vieram os Zip’s, primeiro de 100,

depois 250 Mb, todos dizimados pelos CD’s.

 

Não sei.  Eu era o futuro.  Óptica unida à informática.

Filmes, imagens, textos, tudo comigo, o DVD.

Mas neste mundo de pen drivers,

dispositivos de estado sólido,

tudo evapora-se no ar.

 

E eu?  Nasci com nome mais nobre

era chamado de Winchester.

Hoje, simplesmente HD.

Vivia no mundo dos megas.

Morro neste mundo de gigas e teras.

 

Dizem que o futuro está nas nuvens...

O que acontecerá quando um fanático

soltar sua bomba nuclear?

 

O filósofo que a tudo escutava falou:

mesmo quem não morrer queimado

ou explodido, perderá seus dados.

 

Que tal pensarem em algo muito antigo,

sobrevivente de tantas catástrofes

e, certamente, a tempestades magnéticas?

 

O velho livro.
 
 
 
Foto T.Abritta 2012

 

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Ocultação de Júpiter


 
Foto tirada em 29 de novembro às 00h e 20 min (horário de verão), após ocultação de Júpiter pela Lua cheia que começou às 21h do dia 28 de novembro. Foto T.Abritta, Rio de Janeiro.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Convite: Prêmio Alejandro Cabassa-2012

Tenho o prazer de convidar para a cerimônia de entrega dos prêmios da UBE-RJ (União Brasileira dos Escritores) de 2012, quando receberei, pelo primeiro lugar na modalidade Crônica, o Prêmio Alejandro Cabassa, com o livro “Cidades de Memórias”.

A cerimônia terá início às 15 horas do dia 26 de outubro, na Academia Brasileira de Letras, Av. Presidente Wilson 203, Castelo.
Rio de Janeiro-RJ.
 
Teócrito Abritta

Premiação UBE/RJ 2012:
Em primeiro plano com diploma: Mírian, primeiro lugar em Poesia.
Atrás: Teócrito,  primeiro lugar em Crônica e, ao lado, Isabel, Menção Honrosa em Poesia.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Ártico: Óptica & Fotografia


          A Fotografia de Natureza pode ser comparada a uma grande encenação teatral, onde o diretor não tem o poder de criar as cenas.  Simplesmente tenta captar o que vai acontecendo diante de seus olhos.  Assim, em recente expedição ao Polo Norte (ver em Extrema Latitude: ExpediçãoPolo Norte), “capturei” algumas cenas, mostradas nas Figuras 1 a 3, sugerindo algumas interpretações.

          Na primeira foto, tirada aos trinta minutos da madrugada de 10 de julho de 2012, observamos no horizonte uma faixa esbranquiçada.  Como já estávamos acima da latitude 80º em nossa navegação rumo ao Polo Norte, um por do sol fica excluído.  Lembramos ainda que neste caso o horizonte seria avermelhado.  A explicação para este registro fotográfico é que esta luminosidade branca indica a proximidade da calota polar com a reflexão da luz pelo gelo. 

          Por outro lado, quando já estamos navegando sobre o gelo e observamos um horizonte enegrecido, temos uma indicação da proximidade das águas oceânicas que absorvem toda a luz solar.

          Uma das preocupações com o derretimento acelerado do Ártico é que toda esta luz, normalmente refletida, será absorvida pela Terra, agravando o aquecimento global.
 

 

Figura 1 – Horizonte esbranquiçado?  Foto T.Abritta 2012.


          A imagem mostrada na Figura 2 foi obtida ao fotografar um helicóptero voando no horizonte com os raios solares refletidos na calota polar. 

Normalmente quando temos muitos micro cristais de gelo levados pelo vento contra uma forte iluminação solar, observamos o fenômeno conhecido por “poeira de diamantes”, ou seja, um brilho atmosférico com a luz sendo espalhada, refletida e refratada.  Na nossa imagem, apenas alguns cristais atingiram a lente fotográfica criando o efeito registrado.
 
 
Figura 2 – Cristais de gelo?  Foto T.Abritta 2012.
 

          Na Figura 3 mostramos um efeito parecido com a forma de um arco íris, só que esbranquiçado.  Como por aqui dificilmente teríamos gotículas de água em suspensão, este efeito deve ser causado por reflexões nas faces dos micro cristais de gelo e não refrações, o que implicaria nas cores resultantes da decomposição da luz. 

          A explicação completa para esta foto requer ainda uma análise mais detalhada.
 

          Para os que se interessarem por fenômenos luminosos em Fotografia de Natureza, recomendo o livro: Light and Color in the Outdoors, M.G.J. Minnaert.  Springer-Verlag, 1993.
 


Figura 3 – Arco íris esbranquiçado?  Foto T.Abritta 2012.

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Extrema Latitude: Expedição Polo Norte


         A aventura se iniciou em Helsinque, de onde voamos para Murmansk, no extremo norte da Rússia.  Em menos de uma hora o piloto anunciava que atravessávamos o Círculo Ártico – latitude 66º 33’. 

         Entrando naquele remoto universo, pensava nos antigos navegadores gregos que observaram, quando iam mais para o norte, que os círculos dos anéis traçados pelas estrelas nos céus aumentavam de raio e que elas traçavam suas órbitas em torno de um polo fixo.  Notaram também que algumas estrelas eram sempre visíveis em todas as estações do ano.  Assim, separaram estas, traçando uma linha imaginária paralela ao equador terrestre passando pela constelação da Ursa Maior (1): Arktos. 

         Lembrei-me da solitária Estrela Polar:


Eu vi a estrela polar / Chorando em cima do mar / Eu vi a estrela polar... / Estrelinha franciscana / Teresinha, mariana / Perdida no Polo Norte / De toda a tristeza humana.

 
         Murmansk é uma verdadeira Stalingrado, só que esquecida pela História nas geladas encostas árticas.  Lá se travou uma das maiores batalhas da Humanidade contra os nazistas.  Praticamente todos seus prédios foram destruídos, grande parte da população morta em combate.  Mas a rota norte de abastecimento das tropas russas sempre aberta. 

         No mar, majestoso, o quebra-gelo Lênin.  O primeiro movido a energia nuclear, construído em 1959.  Adiante, o Atom Flot – ultra secreto porto da frota de quebra-gelos nucleares. 


         Embarcamos no 50 Let Propedy (“50 Anos da Vitória”) o mais moderno quebra-gelo, lançado ao mar em 1993 e que integra a série Arktika da Frota Atômica Russa. 


         Dos onze dias de viagem navegamos os dois primeiros e os dois últimos sobre as águas.  Nos outros, apenas o branco e azul da calota polar. 

         A bordo as atividades eram variadas: instruções de sobrevivência; treinamento de embarques e desembarques no helicóptero e zodíacos sob diversas condições – chuva, neve ou vento; palestras sobre Geologia, Geografia, História, Biologia e explorações no navio, visitando suas entranhas: os dois reatores nucleares, geradores de eletricidade, placas de dessalinização para produção de água doce – o gigante pode ficar até cinco anos produzindo energia e leva provisões para cinco meses.  A par destas atividades técnicas, muitos jantares, vodca, festas e até churrascos nos decks gelados e ventosos.

 
         Cortando o inóspito Mar de Barent, ao nos aproximarmos do arquipélago Terra de Franz Josef, com os primeiros blocos de gelo que apareceram, um urso polar nadava – pequeno ponto branco em um mar infinito.  Ao chegar à calota polar, afastou-se com ar desafiador: nada teme, honra seu nome, Ursus maritimus (V. Foto 1).

 
Muitas velas. Muitos remos. / Âncora é outro falar... / Tempo que navegaremos / Não se pode calcular. /... Curta vida. Longo mar. / Nem tormenta nem tormento / Nos poderia parar... / Andamos entre água e vento / Procurando o Rei do Mar.

 
No dia 12 de julho de 2012, a uma e trinta da madrugada ensolarada, o Capitão do navio, Valentin Davydyants, anunciou: “O GPS marca 90 graus, zero minutos!  Missão final: Polo Norte.”

Desde 1977, quando o primeiro quebra-gelo nuclear aqui aportou, este foi o nonagésimo segundo navio a chegar a esta latitude extrema, com representantes de vinte quatro nações, vindos de todos os continentes. 

Missão de paz, mas também de defesa deste ecossistema tão ameaçado. 

         Andar pela placa polar foi fascinante.  Imenso mundo silencioso, movimentando-se, dissolvendo em lagoas azuis e rachando perigosamente, mostrando as águas negras de um Ártico com mais de quatro mil metros de profundidade (V. Fotos 2 e 3).

         No decorrer do dia, muitos fotografavam, tocavam o casco do navio ancorado no gelo, outros faziam medidas tecno-científicas.  Alguns tomavam vodca e mergulhavam nas águas geladas, não se esquecendo da constante vigilância na prevenção contra a aproximação dos ursos polares que com a diminuição do gelo, migram cada vez mais para o norte.

         Uma festa estava sendo preparada: mesas, cadeiras, churrasqueiras, tudo sendo desembarcado pelos guindastes. 

Mas a Natureza é imprevisível. 

Ou quem sabe?  Prefere sua quietude e solidão.

         Forte estalo, pequeno movimento do navio.  Fendas começaram a abrir.  O negro das profundezas.  Todos para bordo.  Tudo recolhido, partimos para a única direção possível a partir do Polo Norte: Sul.

         Na volta, explorações em zodíacos, sobrevoos de helicóptero (V. Figura 4), desembarques em ilhas, visitas a antigas estações científicas abandonadas e o forte vento gelado do Mar de Barent. 

         No longo voo de retorno pensava na diminuição da calota polar, tanto em extensão quanto em espessura – média de menos de um metro e meio no verão (2).  Pensava na diminuição das geleiras na Antártica, Groenlândia, Alpes, Himalaia...  E o capitalismo selvagem poluindo e destruindo nossa frágil Natureza. 

         Para me confortar, apenas um poema Inuit registrado há mais de um século no extremo norte da Groenlândia e que fala da esperança, das cores pintadas no céu a cada renascer do sol (3):

Só existe uma grande Verdade / A única Verdade / Viver / Ver / Nas caçadas, nas jornadas / O grande dia que renasce / A luz que inunda o mundo.

 

Figura 1 – Urso Polar.  Foto T.Abritta 2012.
 
 
Figura 2 – Navegando no Gelo.  Foto T.Abritta 2012.
 
Figura 3 – Latitude 900 – 12 de julho de 2012.
 

Figura 4 – Sobrevoando o Gelo Ártico.  Foto T.Abritta 2012.

 
 
Notas:
-Fragmentos intertextuais de A Estrela Polar, Vinícius de Morais e de O Rei do Mar, Cecília Meireles.
 
1. Os nomes das duas constelações boreais, Ursa Maior e Ursa Menor, vêm da Mitologia Grega: Calisto, uma das ninfas de Diana, foi seduzida por Júpiter.  Para poupar sua vítima da fúria desta deusa, Júpiter transformou-a em uma ursa – a Ursa Maior.  Mas acabou flechada por Diana.  Mesmo assim deixou no mundo um filho, Arcas, que foi transformado na Ursa Menor e colocado a salvo no extremo norte da Terra.  Esta constelação é importante, pois sua estrela mais setentrional – Estrela Polar (Polaris) – está apenas a um grau do Polo Norte, indicando com facilidade esta direção aos navegantes, tal a Constelação do Cruzeiro do Sul orienta os viajantes austrais.
2. Neste verão de 2012 a composição da calota polar medida foi: 90% de gelo de “primeiro ano”, ou seja, gelo formado no inverno passado.  Desta camada, 30% com espessura variando entre 0,8 e 1,2 metros e 60% com espessura variando entre 1,2 e 1,6 metros.  Foi encontrado apenas 10% de gelo de diferentes camadas – gelo que “sobreviveu” a vários verões –, com espessura variando entre 2,2 e 2,5 metros.

3.Versão em Português a partir de textos em Francês e Inglês. 

 
 
 

 



 

Ártico que Arde



Ao Polo Norte rumei

Em muitos amores pensei

 
Irina Mikhaylova, Elena Golubtsova


Lá, o rumo encontrei

Na certeza do Sul retornei


Lyuba Afanaseva, Olya Morozova

 
Por Murmansk passei

O Círculo Polar Ártico cruzei


Vika Sachkova, Sveta Goryachova


Por fim, meu rumo trilhei

Na jornada suspirei
 

Katya Ryzhova, Luda Fitatova

 
Tantos amores abandonei

A solitária Ursa Menor lembrei

 
Lena Skakovskaya, Tanya Krivobokova

 
Coração gelado fiquei

Tristezas levei
 
 
Antes de atravessar o paralelo 850N os marinheiros russos fazem uma grande festa para pedir a permissão de Netuno, subornando o Rei dos Mares com muita vodca.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Letreiros e Lagedos

         Ontem pela tardinha a Acauã cantou.  Ao acordar, o ramo de alecrim caído no chão: tragédia anunciada.
         Foi aqui mesmo há uns quinze anos neste areal queimoso.  Eu e o irmão cortávamos xique-xique para o gado.  O inverno já se despedia e a seca chegava.  Já tínhamos feito umas dez viagens com o jegue carregado.  Depois era só tocar fogo para tirar os espinhos e o gadinho ia ter comida no verão-inferno.  Água tinha lá nos açudes do lajedo.  Pra socorrer tinha ainda os canteirinhos de palma.  Dureza. 


         Não é que apareceu aquele sujeito, tal assombração, saído do nada?  Disse que era Geólogo e foi logo perguntando:


         “Garoto, o que tem lá em cima deste lajedo?”
         “Só tem uns letreiros véios”


         “Pode me levar lá?”


“Não, seu moço.  Nós está trabalhando.”


“Põe tudo aqui na Land que depois levo vocês em casa.”




Eu que nem sabia que Land Rover era um jipe


Aí, meu irmão falou num cochicho:


 “Eu vai junto.  Se tiver precisão, nós mata ele com o facão.”




Tempos depois, peguei a bicicleta e pedalei uns seis dias chegando à Serra da Capivara no Piauí.  As Professoras ficaram encantadas quando viram as pedrarias e os ossos que levei. 


E assim entrei para o fabuloso mundo da Arqueologia e Geologia.  Hoje, nosso amigo e Professor se foi, mas como eu, ficaram muitos para preservar este passado gravado nos lajedos e locas nas beiradas de rios por esta caatinga afora. 


Agora estudo Geografia e já estou apresentando meu quarto trabalho no Congresso Internacional de Arqueologia, semana que vem em São Paulo.  Tudo com material daqui: inscrições, fósseis, rochas e testemunhos arqueológicos diversos.


Como vocês podem imaginar, este lajedo por sua beleza atraía povos neolíticos, assim como nós hoje admiramos estas rochas que parecem sair do chão num céu azul (V. Figura 1).


Figura 1 – Sítio do Bravo, Boa Vista, Paraíba.  Foto T.Abritta, 2011.


Figura 2 – Sítio do Bravo, Boa Vista, Paraíba.  Foto T.Abritta, 2011.




Algumas pedras são polidas e inscrições feitas em baixo relevo, depois pintadas (V. Figura 2).  O amarelado é óxido de ferro.  Usavam também sangue para pintar de vermelho, e óxido de manganês ou carvão misturado com gordura para o preto.  Os corantes orgânicos em geral desaparecem com o tempo.  Algumas inscrições são superposições do trabalho de diferentes gerações que por aqui passaram (V. Figura 3). 


Figura 3 – Sítio Bravo, Boa Vista, Paraíba.  Foto T.Abritta, 2011.

Tenho planos para fazer um museu com todo o material já coletado.  Só de machados de pedra polida, tenho uns oitenta.  Afora moedores, riscadores, peças feitas de ossos, raspadores e cortadores de pedra lascada, fósseis.  E muito mais. 

Uma história interessante, é que o sertanejo diz que esses machados são coriscos que caem do céu e afundam no chão.  A cada ano sobem um metro, até serem achados por alguém.

Deitem no chão!  Rápido!

E aqui entra o narrador-escritor, até então calado:

Um zumbido ensurdecedor foi chegando.  O céu escureceu com o enxame de abelhas que passou. 

Nas pedras nuas, feridas pelo sol, sobrevivência no Sertão. 

Só eles sabem. 

Nota:

Crônica dedicada ao Geólogo Eduardo Bagnoli (in memoriam) e a Djair Fialho, nosso Arqueólogo do Sítio do Bravo, Boa Vista – Paraíba.  







segunda-feira, 30 de julho de 2012

O Archaeopteryx

         Por aqui, apenas duas estações: inverno ou verão.  Estamos na primeira.  Época de chuvas, tudo verde.  No verão apenas secura: verdadeira face da caatinga, toda esturricada.  Agora uma magnífica paisagem.  Imenso céu azul, a pedraria do rio rasgando a vegetação.  Vozes infantis das brincadeiras refrescantes, o badalar no pescoço do bode guia.  O rebanho bebendo água. 

         Adiante, poucos passos, a imensa Pedra Lavrada do Ingá.  Tão conhecida, uns cinquenta anos para tocá-la.  Mas não estranhe: monumentos arqueológicos são assim – carregados de mistérios que suplantam até a grandiosidade de civilizações que tentaram alcançar os céus.

         Vou fotografando cada detalhe no painel granítico vertical (V. Figura 1).  No lajedo horizontal, saltava um chão de estrelas, brilhando ao sol, reluzindo tal astros em escura noite (V. Figura 2). 



Figura 1 – Pedra do Ingá (detalhe do painel vertical).  Ingá, Paraíba. 
                 Foto T.Abritta, 2011. 


Figura 2 – A chamada Tábua Astronômica da Pedra do Ingá (painel
                 horizontal).  Ingá, Paraíba.  Foto T.Abritta, 2011.


         Tudo começou nas férias escolares, em tempos sem televisão colorida ou computadores.  No Jussara, único cinema do bairro – o forró, como chamávamos –, a cada início de férias, os mesmos filmes desbotados já conhecidos de todos.  E assim, acabamos no Museu Nacional na Quinta da Boa Vista.

         Logo na entrada, um modelo do esqueleto daquela ave ancestral, dentes no bico.  Quem sabe parente dos dinossauros?

         Arqueópterix, leu um dos garotos na placa identificadora, com o nome científico escrito em Latim.

         A voz fanhosa, mas potente, assustou-nos:

“Parabéns.  Finalmente um alfabetizado por aqui.  Como prêmio estão convidados para uma visita guiada por todo o museu, até aos porões desconhecidos.  Terão a companhia de um grupo de Normalistas que nos visitam.”



         Cada um tentava impressionar à sua maneira.  Uns se esforçavam para fazer perguntas e comentários inteligentes.  Outros, sempre mais bem sucedidos, soltavam piadinhas infames.  Reprováveis atitudes buscando os sorrisos femininos.



         “Temos no Museu Nacional uma múmia de excepcional beleza, que apresenta a particularidade de ser a única em toda história egípcia revelando as formas femininas modeladas.  O Museu Britânico se interessou em adquiri-la.  Mas ela está no Brasil.  É a nossa ‘vedete’, de valor incalculável.”

         Na rabeira do grupo, baixinho escutamos: “já pensou eu correndo com esta múmia debaixo do braço?”

         “Do ponto de vista psicológico, temos um detalhe ímpar.  Normalmente aquela rede azul era colocada sobre o peito de uma múmia para impedir que Osíris lesse seu coração, descobrindo algum pecado, resultando em uma sentença desfavorável no julgamento do morto que acabava de chegar.  Na nossa ‘vedete’ a rede está desdobrada em duas partes: uma sobre o coração, a outra colocada delicadamente sobre a região do sexo, provavelmente com a intenção de torná-la intocável, mantendo sua virtude e castidade através da eternidade.”

         Mais piadinha: “será que Osíris era tarado?”

         Mas todos se calavam de admiração, silêncio profundo, quando o Professor Victor Stawiarski lia, traduzia e explicava a sintaxe dos hieróglifos em papiros e Estelas funerárias:

“Tu serás recebido nos céus com aplausos; braços que te serão estendidos e te levarão pelo caminho da glória!  Possam os teus pés perambular entre as estrelas do céu, morada dos Deuses grandes!  Pega tu o leme da barca solar e a dirija, com precisão e sabedoria, até o porto da salvação!”



         A história não termina aqui.  De noite, todos recebidos com grande honra pelo embaixador da RAU (*) no Brasil, Senhor Hussein Ahmed Mustafá, por ocasião da Semana do Egito no Museu de Belas Artes.  Conhecemos o sonho de Nasser em unificar e dar dignidade aos povos árabes tão espoliados e humilhados pelo colonialismo. 

         A solenidade começou com o Professor Victor falando sobre a Cosmogonia Egípcia, passou pelo Homem de Lagoa Santa e, finalmente, a Pedra Lavrada do Ingá. 

         No resto das férias, e depois em outras, leituras de livros cheios de mistérios: A Expedição Kon-Tiki; Aku Aku, O Segredo da Ilha da Páscoa, de Thor Heyerdahl; Deuses, Túmulos e Sábios do inesquecível C.W.Ceram e até um livro, Arqueologia de Campo, emprestado por um vizinho, Engenheiro do Patrimônio Histórico.  Mais tarde leituras de Gordon Childe.  Cheguei a limpar um crânio de mais de dois mil anos.  Estranho escovar os cacos de dentes pretos, que mesmo assim pareciam sorrir, atenuando o olhar das órbitas vazias, ainda focado no passado. 

         Depois, o vestibular, a universidade, o trabalho.

         Mas a vida parece caminhar em tempo circular.  Aqui estou no mesmo ponto, apenas o espaço mudou.  Arrasto-me sobre as pedras, cada palavra, cada detalhe daquela palestra cortado na rocha dura. 

         Aqui, de volta à juventude. 

Drible no Tempo da Física. 



Nota:
(*) República Árabe Unida, formada pelo Egito e Síria, sob a presidência   de Gamal Abdel Nasser. 








sexta-feira, 27 de julho de 2012

FENDAS




                    da vida

                    do amor

                    labial

                    vaginal

                    virginal



                          do nascer

                          da dor

                          do sofrer

                          da morte

                          de renascer


Fenda.  Foto T.Abritta, 2012