Botswana, Foto T.Abritta, 2008

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Letreiros e Lagedos

         Ontem pela tardinha a Acauã cantou.  Ao acordar, o ramo de alecrim caído no chão: tragédia anunciada.
         Foi aqui mesmo há uns quinze anos neste areal queimoso.  Eu e o irmão cortávamos xique-xique para o gado.  O inverno já se despedia e a seca chegava.  Já tínhamos feito umas dez viagens com o jegue carregado.  Depois era só tocar fogo para tirar os espinhos e o gadinho ia ter comida no verão-inferno.  Água tinha lá nos açudes do lajedo.  Pra socorrer tinha ainda os canteirinhos de palma.  Dureza. 


         Não é que apareceu aquele sujeito, tal assombração, saído do nada?  Disse que era Geólogo e foi logo perguntando:


         “Garoto, o que tem lá em cima deste lajedo?”
         “Só tem uns letreiros véios”


         “Pode me levar lá?”


“Não, seu moço.  Nós está trabalhando.”


“Põe tudo aqui na Land que depois levo vocês em casa.”




Eu que nem sabia que Land Rover era um jipe


Aí, meu irmão falou num cochicho:


 “Eu vai junto.  Se tiver precisão, nós mata ele com o facão.”




Tempos depois, peguei a bicicleta e pedalei uns seis dias chegando à Serra da Capivara no Piauí.  As Professoras ficaram encantadas quando viram as pedrarias e os ossos que levei. 


E assim entrei para o fabuloso mundo da Arqueologia e Geologia.  Hoje, nosso amigo e Professor se foi, mas como eu, ficaram muitos para preservar este passado gravado nos lajedos e locas nas beiradas de rios por esta caatinga afora. 


Agora estudo Geografia e já estou apresentando meu quarto trabalho no Congresso Internacional de Arqueologia, semana que vem em São Paulo.  Tudo com material daqui: inscrições, fósseis, rochas e testemunhos arqueológicos diversos.


Como vocês podem imaginar, este lajedo por sua beleza atraía povos neolíticos, assim como nós hoje admiramos estas rochas que parecem sair do chão num céu azul (V. Figura 1).


Figura 1 – Sítio do Bravo, Boa Vista, Paraíba.  Foto T.Abritta, 2011.


Figura 2 – Sítio do Bravo, Boa Vista, Paraíba.  Foto T.Abritta, 2011.




Algumas pedras são polidas e inscrições feitas em baixo relevo, depois pintadas (V. Figura 2).  O amarelado é óxido de ferro.  Usavam também sangue para pintar de vermelho, e óxido de manganês ou carvão misturado com gordura para o preto.  Os corantes orgânicos em geral desaparecem com o tempo.  Algumas inscrições são superposições do trabalho de diferentes gerações que por aqui passaram (V. Figura 3). 


Figura 3 – Sítio Bravo, Boa Vista, Paraíba.  Foto T.Abritta, 2011.

Tenho planos para fazer um museu com todo o material já coletado.  Só de machados de pedra polida, tenho uns oitenta.  Afora moedores, riscadores, peças feitas de ossos, raspadores e cortadores de pedra lascada, fósseis.  E muito mais. 

Uma história interessante, é que o sertanejo diz que esses machados são coriscos que caem do céu e afundam no chão.  A cada ano sobem um metro, até serem achados por alguém.

Deitem no chão!  Rápido!

E aqui entra o narrador-escritor, até então calado:

Um zumbido ensurdecedor foi chegando.  O céu escureceu com o enxame de abelhas que passou. 

Nas pedras nuas, feridas pelo sol, sobrevivência no Sertão. 

Só eles sabem. 

Nota:

Crônica dedicada ao Geólogo Eduardo Bagnoli (in memoriam) e a Djair Fialho, nosso Arqueólogo do Sítio do Bravo, Boa Vista – Paraíba.