Botswana, Foto T.Abritta, 2008

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Fotografias Familiares & História


         No Montbläat 322, de 6 de fevereiro de 2009, Anna Maria Ribeiro nos brinda com uma crônica muito interessante intitulada “4 de janeiro de 1959” (*).  Nesta data, um grupo de brasileiros voava para Nova York, quando o avião teve que fazer um pouso de emergência em Camaguey, Cuba, no dia em que Fidel Castro entrava vitorioso na cidade.  Os brasileiros não puderam sair dos limites do aeroporto, mas levaram como lembrança deste dia uma fotografia onde Anna e sua amiga Elsie formavam um grupo com os guerrilheiros que ocupavam a região (V. Figura 1). 

Figura 1 – Aeroporto de Camaguey, Cuba, “4 de janeiro de 1959”.

         Esta crônica é um exemplo de como os arquivos familiares podem contribuir para a História.  Hoje os documentos oficiais em geral são bem conhecidos, mas existe uma riqueza de informações que podem ser obtidas diretamente dos cidadãos que vivenciaram fatos e não têm dívidas de gratidão com o poder.  Este tipo de História muitas vezes torna-se incômodo para os Cientistas Sociais que preferem trabalhar com modelos teóricos, desprezando informações que não se encaixam no universo histórico já estabelecido (**).  Mas vamos deixar estas digressões de lado e apenas ficar com a mensagem da importância de conservarmos velhos papéis e fotos que entulham nossas gavetas, mas que podem trazer informações que transcendem o mero interesse de memória familiar. 
         Neste sentido vamos falar de uma história que começou com o registro fotográfico de uma família em férias, mas que resultou no estudo sistemático da redução de um glacial através dos tempos, dando grande contribuição para a fotografia e a ciência. 
         Tudo começou em 1887, quando George Vaux e seus três filhos, Mary, George Jr. e Willian retornavam para Filadélfia após longa viagem pela costa oeste americana, e se hospedaram no recém inaugurado Glacier House Hotel no coração das montanhas Selkirk, na Colúmbia Britânica.  Ficaram maravilhados com o cenário, fotografando não só estas montanhas como as adjacentes e impressionantes Canadian Rockies.
         Esta experiência foi tão fascinante para a família, que eles retornaram a esta região em 1894 e sucessivamente, por diversos anos, fotografando e estudando a natureza.  Logo após o primeiro retorno, eles já observaram que o Glacial Illecillewaet, que era o maior glacial perto do hotel, tinha diminuído em extensão.  Nas demais viagens, sob a supervisão de Willian, que era engenheiro, eles fizeram medidas científicas detalhadas, produzindo o primeiro documento da retração de um glacial no Continente Norte Americano (V. Figuras 2 e 3).


Figura 2 – Grupo de pessoas fotografadas no Glacial Victoria em 24 de julho de 1900 por Mary M. Vaux.  Da esquerda para a direita: William S.Vaux Jr.; Hemreich (Guia); George Vaux Jr.; Georgena Cresson; Caleb Cresson e Christian Hasler. 

         Como os “Vauxes” eram da religião Quaker, foram criticados pelo seu envolvimento em fotografia que era considerada uma arte e, portanto, uma atividade frívola e improdutiva.  Os “Vauxes” sabiamente contornaram os problemas com os seus pares religiosos, alegando que, neste caso, a atividade fotográfica era puramente científica, e passaram a participar de várias exposições organizando inúmeras atividades na Sociedade Fotográfica da Filadélfia. 
         As mais de 3.000 fotografias da família Vaux hoje fazem parte do acervo do WhyteMuseum of the Canadian Rockies. 

Figura 3 – Foto de 2002 mostrando as posições originais que atingiam um dos glaciais da região em anos diferentes. 
         Este é um exemplo de como uma atividade inicialmente amadora e de registro de lembranças familiares, pode se transformar em contribuição científica de fotografia aplicada, já com caráter profissional.

Notas:
(*) Esta crônica foi inspiradora para o conto O Professor Acendeu o Charuto.  Publicado em Cidades de Memórias, Teócrito Abritta.  Oficina do Livro, Rio de Janeiro, 2011.
 (**) Ver, por exemplo, Testemunho VI: em prosa e verso – Oficina Literária Ivan Cavalcanti Proença, Rio de Janeiro, 2011

Publicado originalmente no Montbläat, fevereiro de 2009.



quinta-feira, 17 de maio de 2012

Inconscientes Fotográficos


         Tal luz na pedra escura a História passa

cenários ficam – muros rochas arquiteturas de alegrias

cores de sofrimentos.

A fotografia.

Outrora em cristais de prata

hoje pixels, registros numéricos.



Alfinetadas na imaginação

dores no coração

sombras de paixão

reviravoltas da emoção.


segunda-feira, 7 de maio de 2012

Carro de Boi


         - Ei, Labareda!  Ei, Medalha!

- E nós saíamos para a grande viagem, com a gente grande sentada e os meninos dependurados pela mesa do carro, pedindo de quando em vez a Miguel Targino a macaca para tanger os bois do coice.  Chamavam-se Medalha e Javanês os do coice, grandes e largos para bem aguentarem o peso e sustentarem as manobras; Estrela e Labareda os do cambão, pequenos e de pescoços compridos, ágeis, os verdadeiros motores do carro.  Para estes a vara de ferrão, e a macaca para os do coice.  E eles todos atendiam à voz do carreiro.  Quando Miguel Targino fazia um “ô” descansado, os do coice enterravam os pés na areia e ninguém arrastava o carro dali.  E com um “ei, Labareda”, de ordem, os do cambão espichavam o pescoço na canga, e lá ia o carro andando. 

         ...Os carros de boi gemendo nos eixos de pau-d’arco, os cambiteiros tangendo os burros com o chicote tinindo, e o “ô!” dos carreiros para os Labareda e os Medalha, mansinhos.  Os moleques trepados nas mesas dos carros aprendendo a carrear com os mestres carreiros.  Tudo nessa labuta melódica do engenho moendo. 



Menino de Engenho, José Lins do Rego.



         Lendo este texto, a par de seu lirismo, fiquei pensando no poder da Literatura para registrar detalhes que mesmo em trabalhos sobre História das Ciências e das Técnicas não encontraríamos. 

         Após sucessivas leituras e releituras, resolvi ressuscitar um carro de boi e, quem sabe, até acender o fogo morto de um velho engenho; sentir o aroma de melado. 

         Lembrei-me da imagem digitalizada de um negativo de vidro, encontrado em uma velha fazenda de café que visitei – retratando cenas do início do século passado –, conforme mostrava a caixa das placas fotográficas (V. Figura 1). 

         Simplesmente inverti os tons de cinza, “revelando”, portanto, o negativo, de onde surge majestoso carro de boi puxado por quatro juntas de animais, tudo embaçado pela fumaça do engenho em plena atividade (V. Figura 2). 

         E, do sépia imaginário desta fenda no tempo, escapam sons, odores e poesia da época. 


Figura 1 – Caixa de Negativos.  Foto T. Abritta, 2005.


Figura 2 – Carro de Boi e Engenho.  Digitalização e revelação T. Abritta, 2005.