Botswana, Foto T.Abritta, 2008

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Seres da Noite


Pequena homenagem a Goeldi.

No escuro

triste

vazio

 
solitária luz corre na sombra

da manhã

que prenuncia.

 
Quisera ser poeta

para cantar

seu princípio seu caminho.
 
 
Noite.  Foto T.Abritta, 2012.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Um Mundo de Imagens – primeira parte


Publicado no Montbläat, abril de 2007

          O Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, apresenta até o final de abril a exposição Impressões Originais: A Gravura desde o século XV.  Esta amostra apresenta seiscentos anos de história da gravura através de duzentos e oitenta obras originais de artistas como Dürer, Rembrandt, Goya, Picasso, Warhol, Matisse, Miró, Lichtenstein e gravadores brasileiros como Goeldi, Grassmann, Scliar, Segall, Iberê Camargo, Ligia Pape e outros, destacando movimentos como o Expressionismo, o Abstracionismo, a Pop Art e a Nova Figuração.  Nesta exposição podemos ver matrizes e instrumentos antigos, informações sobre várias técnicas como: xilogravura, litografia, água-tinta, água-forte, buril, linóleo, relevo seco e fotogravura.  também um incunábulo, que é um livro impresso no século XV com matrizes em madeira, que eram copiados e ilustrados um a um à mão, usando a técnica de xilogravura.  Foi editado um belo catálogo com mais de cento e cinquenta páginas com reproduções de todas as obras expostas, detalhes sobre as diferentes técnicas de gravura, informações sobre os artistas, movimentos e períodos históricos. 

          Ao visitar esta exposição, alguns fatos me chamaram a atenção, como uma falha técnica em uma das gravuras de Picasso que não era notada pela maioria das pessoas.  Vivemos em um mundo de imagens onde a comunicação visual foi ampliada pelas técnicas digitais, mas muitos de nós continuamos como analfabetos visuais.  A imagem do ponto de vista geométrico, nada mais é do que uma projeção de pontos em um espaço bi-dimensional, onde cada um corresponde a um ponto no espaço tridimensional.  A imagem também pode estar ligada a outras realidades, como expressões de emoções, visões artísticas ou mesmo interpretações técnico-científicas como, por exemplo, em exames médicos e mapas meteorológicos.  O fato concreto é que a imagem não é uma cópia da realidade, mesmo na fotografia, onde o enquadramento e a iluminação – para não falarmos nos retoques digitais – impõem a visão do fotógrafo.  Em uma gravura ou pintura esta visão pode ser muito mais intensa.  Logo, um cidadão alfabetizado deve não saber ler e escrever como ter uma boa percepção visual, que as técnicas de propaganda e marketing constantemente nos bombardeiam com imagens: vendendo produtos, criando necessidades ou mesmo visões políticas. 
Esta é uma discussão longa e para quem quiser aprofundar-se, pelo menos no tocante a fotografia onde estou mais familiarizado, sugiro os livros: Sobre Fotografia, de Susan Sontag e O Ato Fotográfico de Philippe Dubois.
          Outro fato interessante que deve ser lembrado por ocasião da visita a esta exposição, é que enquanto os primeiros livros foram impressos no século XV, através de técnicas de xilogravura, aqui no nosso pobre e sofrido nordeste brasileiro somente no século XX a literatura popular chegou alegremente a suas feiras e mercados, associada à gravura. 
A técnica de xilogravura inicialmente foi usada em rótulos de garrafas de cachaça e folhinhas, só mais tarde passando a ilustrar nossa literatura popular ou de cordel, assim chamada devido a forma como os livretos eram expostos para venda.  Os gravadores nordestinos com seus toscos instrumentos de trabalhoformões, goivas, canivetes e outros materiais improvisados para corte – contribuíam para uma melhor visualidade e beleza das histórias impressas em tipografias artesanais com suas caixas de tipos móveis e prensas manuais.
          Como exercício de leitura de imagens, vamos usar o trabalho destes heróis culturais da literatura de cordel e suas dificuldades técnicas na produção das xilogravuras e gravações, já que muitos jamais frequentaram escolas, sendo autodidatas.  
          Na Figura 1 apresentamos uma cópia digital de uma chapa xilográfica do gravador José Costa Leite, nascido em Sapé, Paraíba, em 1927.  Este artista, além de Poeta do Cordel, é um dos maiores e mais importantes xilogravuristas do Brasil, tendo se iniciado nesta arte muito jovem.   expôs suas obras em muitos estados brasileiros e no exterior, como em Nova York e Santiago no Chile. 
 

Figura 1 - Cópia digital de uma chapa xilográfica de José Costa Leite
 
          Normalmente os artistas desenham a obra a ser gravada e depois reproduzem, como se refletidas em um espelho, as imagens na matriz a ser usada como chapa de gravação.  Os artistas primitivos em geral concebem a imagem diretamente já espelhada na chapa ou matriz.  Na Figura 2 apresentamos a chapa da Figura 1 espelhada digitalmente, tal como uma impressão xilográfica.  Comparando as duas figuras notamos que as iniciais do gravador, JCL, estava inicialmente invertida na Figura 1, assim como todo o motivo artístico.
 

Figura 2 – Equivalente digital da impressão xilográfica da chapa anterior.
 
          Como um exercício visual deixamos para os leitores comentarem as particularidades das imagens apresentada nas figuras anteriores, bem como do diabo mostrado na Figura 3 que foi impresso através da xilogravura pelo mesmo gravador.
 
Figura 3 – Imagem de um diabo.
 
          Falando em arte popular, não podemos também deixar de mencionar as inscrições rupestres deixadas em diversas regiões brasileiras pelos primeiros habitantes de nossa terra. 

Na Figura 4 apresentamos a figura 44 do livro Préhistoria brasileira de Aníbal Mattos, Editora Brasiliana, 1939 e abaixo reproduzimos alguns trechos referentes a esta ilustração:
          Na serra de S. Thomé das Letras (Ayruoca) foram copiados, pela Commissão Geológica de Minas os glyphos que alli se encontram, e que tambem foram estudados pelo eminente historiador e geographo Barão Homem de Mello, (Fig. 44), que assim a descreve:
          “Copiei-a eu mesmo, linha por linha, e, chegando ao Rio, fil-a gravar pelo sr. Pinheiro, então nosso primeiro xylographo.
          Quanto aos caracteres traçados, vê-se em baixo desenhado um quadrupede, talvez uma raposa, no centro um instrumento em forma de pente, na linha do alto á esquerda, talvez a figura rudimentar de um quadrupede.
          Os outros caracteres não apresentam forma conhecida”.
Figura 4 – Fac-simile da figura 44 do livro Préhistoria brasileira.
 
          Este interessante registro arqueológico e xilográfico fica como um segundo exercício visual, onde sugerimos a observação de alguma incoerência nas informações apresentadas no livro de Aníbal Mattos. 
          Na segunda parte deste artigo comentaremos as sugestões aqui apresentadas bem como a gravura de Picasso que motivou esta história toda.
 

 

 
 

 

Um Mundo de Imagens – segunda parte


Publicado no Montbläat, abril de 2007

          Continuando a nossa jornada por este mundo de imagens, iniciada na semana passada, devemos realçar que uma característica da gravura é justamente esta inversão da imagem entre o clichê ou placa de gravação e a gravura em sua forma final estampada.  Esta inversão foi uma das primeiras descobertas gráficas dos povos neolíticos que nos legaram vários registros de suas mãos estampadas em paredões de pedra pelo Brasil afora, conforme mostra a Figura 5, onde uma mão esquerda estampada na pedra equivale a uma mão direita nos acenando.
 
 
Figura 5 – Pintura rupestre, Parque Nacional de Sete Cidades, Piauí.  Foto T.Abritta, 1996.
 
Os gravadores primitivos tinham uma grande dificuldade com esta particularidade da técnica e mesmo na tipografia de tipos móveis faziam trocas, principalmente entre as letras d e b como também entre o p e q que eram chamadas de “as quatro letras” (ver Deus e o Diabo na Literatura de Cordel, Revista de Cultura Vozes, outubro de 1970).  Voltando à primeira parte deste artigo, o xilógrafo, nas figuras 2 e 3 apresenta, respectivamente, um músico e um diabo canhotos.  Na Figura 2 o músico canhoto toca uma espécie de guitarra de quatro cordas.  Provavelmente o artista quis gravar um cavaquinho que tem suas quatro cordas afinadas em ré-si-sol-ré.  Mas como apresentado nesta xilografia teria que ter suas cordas montadas invertidas em ré-sol-si-ré para adaptar-se ao nosso músico canhoto. 
Na Figura 6 mostramos uma xilogravura também de José Costa Leite, onde houve um aperfeiçoamento técnico e a matriz foi preparada com o cuidado de inverterem-se não as iniciais do autor como todo o motivo representado.
 
Figura 6 – Equivalente digital de uma xilogravura.
 
          Quanto à imagem do diabo canhoto da Figura 3 da primeira parte deste artigo, podemos notar que houve uma emenda na chapa de madeira, pois apresenta em sua parte superior uma coloração mais avermelhada.  Em uma xilogravura, observaríamos a cor preta correspondente às partes mais altas da chapa que absorvem a tinta e o branco do papel correspondendo às partes escavadas na madeira.  Mas aqui se trata de versões digitais que mostram a coloração original da madeira utilizada.  Os xilógrafos davam preferência nas suas chapas a imburana e em segundo lugar ao cajá, pela durabilidade e texturas produzidas.  O pinho era usado em trabalhos de baixa qualidade, pois deixava marcas acentuadas de suas fibras, tal qual falhas de impressão.  Isto explica as emendas nas matrizes, que com o tempo tábuas de imburana rareavam. 
          Quanto à ilustração das figuras rupestres de São Tomé das Letras, mostrada na Figura 4 anteriormente, houve um erro em uma das fases entre a cópia da inscrição e a impressão do livro, pois a figura rudimentar de um quadrúpede na linha do alto está invertida, situando-se a direita e não à esquerda como comenta o texto. 
          Finalmente, na figura abaixo, apresentamos a gravura de Picasso que motivou toda esta história.  Nesta obra a data ficou invertida, sendo provavelmente uma das brincadeiras do artista com o público. 
 
Figura 7 – O Pintor e seu Modelo, Pablo Picasso – 1963.  Água-tinta, ponta-seca e buril.  Fundação José e Paulina Nemirovsky, São Paulo.
 
          Estes exercícios visuais, no fundo, são um bom pretexto para olharmos um pouco para o nosso patrimônio cultural do ponto de vista da arte popular e dos registros arqueológicos e pensarmos nos inúmeros talentos que são perdidos pela falta de um sistema de ensino eficiente.
 
 
 
 
 
 
 

 

 

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Fotografia, Literatura e Memória


A cultura visual veio para ficar definitivamente em nossa sociedade.  Portanto saber interpretar a comunicação através das imagens que nos bombardeiam é o mesmo que ler um texto.  Como exercício de reflexão, falaremos sobre velhas fotografias familiares, algumas maltratadas e desprezadas em caixas de sapato ou esquecidas em fundos de gavetas, mas que muito podem revelar-nos. 

          Alguns ficarão surpresos ao saber que aquela fotografia em preto e branco, com grandes áreas espelhadas é uma imagem que resiste ao desaparecimento, com a deterioração da emulsão fotográfica e a migração da prataque com sua distribuição espacial de concentrações dava os tons de cinza na fotografiapara a superfície.  Neste processo, chamado “espelhamento”, a imagem vai desaparecendo, mas sempre guardando alguma informação.  E aquelas fotografias com uma aparência toda quebradiça, com aquele ar craquelê?  Estas são de uma geração anterior às modernas emulsões, quando eram usados os papéis albuminados ou feitos artesanalmente com clara de ovo salpicada com cristais fotossensíveis de prata. 
 
 
Figura 1 – Cavaleiro Velho.

          A par da diversidade técnica que velhas fotos apresentam e de sua resistência ao desaparecimento, vale a pena indagar quais os motivos que levaram ao registro de algumas imagens. 
          Neste sentido, vamos examinar, por exemplo, a fotografia apresentada na Figura 1, intitulada “Cavaleiro Velho”. 
          No verso do suporte de papelão, onde está colada esta fotografia, existe uma dedicatória, escrita a lápis, mas ilegível devido ao escurecimento e oxidação da superfície. 
          Hoje, como naquelas brincadeiras do passado, em que as crianças escreviam mensagens invisíveis com o sumo de limão e que eram reveladas com o calor da chama de uma vela, escaneamos a dedicatória da foto acima e deslocamos a cor do fundo para o verde – a cor mais sensível à visão humana – de modo a obtermos o máximo contraste com a cor preta do traço de grafite. 
Neste processo a dedicatória tornou-se visível, tal o sumo de limão na chama da vela, como mostra a Figura 2. 
 
Figura 2 – “Castorina uma prova de amizade, Antonio Francisco Pereira de Souza, Cavaleiro Velho com 68 annos - 4 de agosto de 1929”.
 

          Esta fotografia era uma espécie de “duplo” que o “Cavaleiro Velho” deixava para sua filha, que estava de partida para um mundo incerto, em busca de melhores condições de sobrevivência e trabalho no longínquo estado do Espírito Santo, para onde migravam milhares de trabalhadores de Minas Gerais, muitos nunca mais voltando, morrendo ou simplesmente desaparecendo nesta nova fronteira agrícola. 
          O episódio nos remete a um personagem de Proust (inspirado em sua própria vida) que morria de remorsos ao descobrir que sua avó, doente, havia se “produzida” toda para tirar uma bela fotografia que seria deixada como lembrança.  Este personagem, em uma cena de ciúmes doentio, criticou-a severamente pelacriancice” e por descobrir na avó uma vaidade jamais suspeitada. 
          Em certo sentido, estas velhas imagens familiares funcionam como figuras em uma Estela Funerária grega ou o Kôuros funerário, que representava a pessoa viva, o que ela valia e fazia.  Nesta figuração, a beleza da imagem prolonga a do falecido, com sua pureza e qualidades – que estão além da morte física. 
 
 
Leituras sugeridas:
- Proust e a Fotografia, Brassaï – Jorge Zahar Editor, 2005.
- Retratos de Família, poesia de Carlos Drummond de Andrade.
- Encomenda, poesia de Cecília Meireles em A Vaga Música.
 
 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Raios-X & Imagem


Publicado no Montbläat em agosto de 2008.

          Sempre foi um sonho do homem penetrar no mundo invisível, não pela mistificação de pseudoteorias como auras, fluidos, vibrações do éter ou psicofotografias, mas sim pelas mãos da objetividade da ciência.  Isto foi conseguido, em dezembro de 1895, pelo físico alemão W. K. Röntgen que descobriu os Raios X, produzidos pela aceleração de feixes de elétrons que se chocavam com uma placa metálica e podiam ser registrados pela sensibilização de um filme fotográfico.  Este fato, que foi mostrado pela radiografia da mão de Bertha (V. Figura 1), esposa de Röntgen, surpreendeu a Ciência, pois se tratava de uma radiação eletromagnética que podia atravessar a pele, os músculos e vários tecidos, mostrando os ossos e órgãos internos. 

          Podemos dizer que esta simples experiência, associada aos métodos computacionais; à evolução de programas gráficos e sofisticado ferramental matemático foi a origem de todas as técnicas de imagens médicas de hoje. 
 



Figura 1 - La Main de Madame Röntgen, por Wilhelm Konrad Röntgen (1845-1923) em 22/12/1895.
 

 
    Por outro lado, um maior conhecimento da estrutura da matéria nos levou à energia nuclear e, infelizmente, a uma capacidade infinita de matar e destruir.  Em agosto lembramos o aniversário de um terrível acontecimento “fotografado” usando comofilme” a tinta queimada de uma casa, que registra as sombras de uma escada e a imagem de uma figura humana que simplesmente desapareceu, como se tivesse evaporado com a explosão da bomba atômica em Hiroshima, em 6 de agosto de 1945 (V. Figura 2).  Pode-se observar que a escada sequer foi deslocada, o que indica que estava a uma grande distância da explosão, mas a vida não foi poupada diante da intensidade da radiação.  De imediato foram mortas cento e quarenta mil pessoas, no maior ato de terrorismo que a Humanidade já assistiu. 
          Três dias depois a cidade japonesa de Nagasaki também sofreu um ataque nuclear que ceifou setenta e cinco mil vidas neste segundo ato de mega-terrorismo de estado, que consiste em causar sofrimento e morte de civis para obter vantagens políticas ou militares. 
 
 
 Figura 2 - Hiroshima, foto Asahi, 6 de agosto de 1945.

 
          Aproveitando esta oportunidade para um alerta contra o terror nuclear, voltamos ao nosso mundo de imagens com obras produzidas e vivenciadas por pessoas civilizadas. 
          A “fotografiapor Raios X exerce um grande apelo, devido à sua incursão pelo mundo invisível e muitas vezes insólito.  Alguns fotógrafos, como por exemplo, Helmut Newton, fizeram experimentos com esta técnica (V. Figura 3).  Mas devido aos riscos inerentes com a exposição dos modelos à radiação foram esquecidas, ficando hoje restritas ao universo científico, técnico ou médico. 
 
 
Figura 3 - X-Ray High Heel, foto Helmut Newton, Vogue francesa, Paris 1994
 
          Como uma homenagem a Röntgen, apresento a fotografia mostrada na Figura 4, onde uma radiografia tradicional foi escaneada e colorizada. 
          Muitos talvez não aceitem a denominação de fotografia para esta figura.  Mas qual seria a diferença entre a captura digital de um escâner e de um equipamento chamado formalmente de câmera fotográfica? 
          Se insistirmos nesta discussão estaremos voltando aos anos 60 quando alguns não consideravam como fotografia as “derivaçõesourecriações” de José Oiticica Filho
 
 

Figura 4 – Les Mains de Madame X.  Foto T.Abritta, 2005.