Botswana, Foto T.Abritta, 2008

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Telegrama


          Emoção na cidade.

          Chegou telegrama para Chico Brito.

          Que notícia ruim,

          que morte ou pesadelo

          avança para Chico Brito no papel dobrado?

 

          Nunca ninguém recebe telegrama

          que não seja de má sorte. Para isso

foi inventado.

 

          Lá vem o estafeta com rosto de Parca

          trazendo na mão a dor de Chico Brito.

          Não sopra a ninguém.

          Compete a Chico

          descolar as dobras

de seu infortúnio.

 

Telegrama telegrama telegrama

Em frente à casa de Chico o voejar murmure

de negras hipóteses confabuladas.

O estafeta bate à porta.

Aparece Chico, varado de sofrimento prévio.

 

Não lê imediatamente.

Carece de um copo d’água

e de uma cadeira.

Pálido, crava os olhos

nas letras mortais.

 

Queira aceitar efusivos cumprimentos passagem data natalícia espero merecer valioso apoio distinto correligionário minha reeleição deputado federal quinto distrito cordial abraço Atanágoras Falcão

 

Poema de Carlos Drummond de Andrade.

 

          O telegrama já foi o mais rápido meio de comunicação.  As letras e algarismos eram codificadas por pontos e traços, segundo o Código Morse e a mensagem transmitida por pulsos elétricos curtos (pontos) e longos (traços) através dos cabos telefônicos. 

          Para quem não conheceu, ver abaixo a imagem de um telegrama enviado “com urgência”.

Ah, “PT’ significa ponto.



quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Manguezais


          Os manguezais marítimos são importantes ecossistemas, pois além de servirem de berçário para diversas espécies, são uma fonte de renda para comunidades locais. 

          Manguezais marítimos também têm uma importante função que é proteger as terras costeiras do impacto das marés altas, ainda mais com a subida dos oceanos que podemos observar em nosso litoral,

          Com a destruição irresponsável destes ecossistemas, várias espécies estão em processo de extinção, como, por exemplo, o peixe-boi marítimo, que não encontrando águas abrigadas, acabam tendo suas crias no meio do oceano, sendo perdidas e acabando em alguma praia. 

          Alguns têm sorte de serem recolhidos e levados para um centro de recuperação que tentará reintroduzi-los na vida selvagem. 

          Visitei dois destes centros, um na ilha de Itamaracá, em Pernambuco e outro no litoral de Alagoas.

          Nestes centros os filhotes são criados primeiramente em aquários, depois levados para um cercado na foz de um rio, para finalmente serem soltos.  É um processo difícil, pois estes animais tendem a serem domesticados, procurando a companhia das pessoas. 

          Na foto abaixo, mostramos um peixe-boi marítimo que já deveria ter partido para o mar, mas infelizmente tornou-se quase um animal doméstico. 

 Alagoas.  Foto T.Abritta, 2012.



domingo, 4 de outubro de 2020

Artefatos

 

“Os resultados mais correntes da conduta humana, os dados arqueológicos mais vulgares, podem chamar-se artefatos, coisas feitas ou desfeitas por uma deliberada ação humana.”

Gordon Childe.

 

          Olhando esta pedra na minha estante, lembro-me da Praia do Moçambique, na Ilha de Santa Catarina, onde estive há muitos anos. 

          A praia, de areias cristalinas, tinha uns oito quilômetros de extensão e margeava uma reserva de vegetação costeira praticamente impenetrável. 

          Depois de percorrer uma grande distância nesta praia, iniciei o retorno, pois a maré estava subindo e as ondas provocavam desabamentos na encosta, levando terra e vegetação, quando vi uma pedra que afundava na areia. Corri e consegui pegá-la.

          Seria esta pedra um artefato arqueológico, como sugere sua forma?  Tinha aproximadamente uns dezoito centímetros de comprimento e assemelhava-se – ver figura abaixo – a um percutor bem polido, ferramenta lítica usada, por exemplo, como batedor, mão de pilão e inúmeras outras finalidades.

          Pensando na frase do arqueólogo Gordon Childe, usada como epígrafe para este texto, fico especulando: seria esta “pedra”, o vestígio único de algum grupo que ocupou este litoral?  Afinal, o nível do mar era muito mais baixo e foi subindo, submergindo terras emersas ao longo dos anos, formando – aproximadamente há uns sete mil anos atrás – o litoral como hoje conhecemos.  Portanto, vestígios de povos que ocuparam este litoral podem estar submersos e inacessíveis. 

          Olho aquela pedra na minha estante e passo a considerá-la um solitário artefato, vestígio de povos perdidos no tempo. 


Percutor-Praia do Moçambique, Ilha de Santa Catarina, SC.



 

sábado, 29 de agosto de 2020

As Pirâmides de Dashur


          Ainda ofegante deitei-me na areia quente, escondido atrás das lápides do cemitério muçulmano em Dashur.  Dali, descortinava o imenso deserto, horizonte rasgado apenas por três enormes silhuetas, enegrecidas pelo contraste de luminosidade, tal gigantescos navios em mar nebuloso. 

O coronel garantiu que as sentinelas escondidas no areal não atirariam em cemitérios.  Estaria seguro?  Pelo sim-pelo não, permanecia nas sombras.

          Pela primeira vez observava uma pirâmide com a cobertura original em granito de Turah, mesmo que carcomida e rachada pelo tempo.  Foi o legado do primeiro sonho geométrico do Faraó Snofru em chegar à forma piramidal perfeita.  A construção se iniciou subindo em ângulo de aproximadamente cinquenta e quatro graus.  A desilusão com as primeiras rachaduras obrigou os construtores a diminuírem a inclinação para quarenta e três graus, criando a forma única da Pirâmide Romboidal de faces tortas.

          O cenário não era favorável para fotografias devido à grande claridade de fundo.  Mas a objetiva fotográfica ampliava o olhar, mostrando, tal uma luneta, cada detalhe, rachadura ou fresta entre os gigantescos blocos de granito (V. figura 1).

Figura 1 - Pirâmide Romboidal.  Foto T.Abritta, 1991.  Original em negativo colorido

          O faraó não desistiu.  Depois da tentativa, também frustrada, em Meidum, aqui construiu uma terceira pirâmide, pouco mais ao norte, em rampa suave de aproximadamente quarenta e três graus, conhecida como a Pirâmide Vermelha – devido à cor da pedra usada e ao brilho avermelhado com a reflexão dos raios solares (V. figura 2).

 

Figura 2 - Pirâmide Vermelha.  Foto T.Abritta, 1991.  Original em negativo colorido

          À esquerda destes gigantes, grande massa desabada de terra e tijolos marcava a tentativa de outras dinastias no uso de diferentes materiais, como tijolos de barro, que se fragmentaram com o peso da construção (V. figura 3).


Figura 3 - Pirâmide de Tijolo.  Foto T.Abritta, 1991.  Original em negativo colorido

          Mesmo tocando apenas com os olhos, as pirâmides Romboidal, Vermelha e de Tijolos, compensaram o susto.  Ver o que normalmente não é visto, pode ser perigoso, mas deixa histórias.  

          Na frente do cemitério, todos os habitantes da vila se reuniam: o coronel, seu tanque, soldados, fileiras de homens sentados de cócoras, dezenas de cachorros, mulheres mais afastadas – com compridos olhares – e aquela multidão de crianças que rodeava Cristina.  Umas exibiam-lhe filhotes de cabra, outras, trabalhos escolares.  A criançada morria de rir com o desconhecimento dela, que, ao abrir cada caderno, tentava ler de trás para diante, não sabendo identificar algarismos ou letras.  Para eles, uma descoberta fantástica saber que em outras culturas a leitura não era feita da direita para a esquerda.

   

       O carro rodava na estradinha de areia.  Eu no banco da frente junto com o motorista.  Cristina, sentada atrás, comia uma romã. 

          Finalmente pegaram os invasores.  Disseram que foi a eficiência do Serviço Secreto conjugada com o que eles chamavam de “correio árabe”, onde tudo era visto pela população e informado às autoridades.  Grande vantagem!  Como ficar invisível com aquela nuvem de poeira de centenas de metros que nos acompanhava? 

          Aqueles dez minutos pareceram uma eternidade.  Podia contar os dentes podres dos soldados, observar a sujeira em suas unhas, ver o tremor dos dedos que comprimiam firme os gatilhos das AK-47, e ficar tão perto do orifício negro de seus canos por onde sairiam as balas. 

          Parecia um terremoto.  Tudo tremeu com a chegada daquele enorme tanque de guerra, coberto de soldados.  A escotilha abriu surgindo um rosto horroroso, onde vastos bigodes tentavam encobrir cicatrizes deformantes.  A figura aproximou-se e rosnou: 

Passport!

          Franziu o cenho, mostrando grande concentração mental na leitura do documento.  Perfilou-se, bateu continência apresentando-se:

– Coronel Mohamed, Chefe Regional do Serviço Secreto.  Virou de costas e iniciou uma preleção para a tropa. 

– Parece que pelo menos obedecem à Convenção de Genebra, comentei com a Cristina. 

– Obedecem coisa nenhuma! Vão nos fuzilar e nem querem saber quem sou.  Nem ao menos pediu meu passaporte.  Vou “soltar os cachorros” pra mostrar do que sou capaz!

          Eu já não sabia se tinha mais medo do coronel ou da feminista ofendida. 

          Milagres acontecem.  Todos os soldados abaixaram as armas, sorriam, falavam, e escutávamos claramente: Pelé, Garrincha, Careca, Roberto Carlos...

          Aquele rosto horroroso transformou-se em sorriso brilhante, arreganhando a dentadura de ouro.

– Vocês invadiram área militar.  Entendem?  Área onde testamos nossas armas secretas.  Da próxima vez não deixem de avisar para podermos organizar uma partida de futebol. 

          Despedimo-nos do agora simpático coronel que transbordava de felicidade em saber que o seu jogador preferido, Roberto Carlos, também era um grande cantor de sucesso no Brasil, conforme minhas informações.  Só depois compreendi, pelo sorriso contido da Cristina, que os meus pobres conhecimentos futebolísticos confundiram um jogador de futebol com um cantor!

Uma coisa é certa.  Na região de Dashur não me arrisco a voltar. 

 



 


sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Ahram El-Kaddah


          Saímos cedo para mais uma expedição.  A uns oitenta quilômetros da Cidade do Cairo, abandonamos a estrada que margeava a linha férrea, cruzamos a Vila de Meidum, mergulhando no deserto.

          Em meio à secura entendíamos, agora, o que era um oásis.  Mancha verde, úmida, pastores e animais.  Uma modesta fresta de frescor na aridez da natureza.  Sorriso condescendente para a vida. 

          Do outro lado da vegetação, mais montes, mais areia e ao longe se levantava Ahram El-Kaddah – a Falsa Pirâmide.  Gigantesco degrau de pedra encimado por dois outros menores, cercados de entulhos.  O barulho do desabamento e a poeira pareciam permanecer no ar, como o sonho de Snofru, pai do Faraó Quéops, de construir a forma piramidal perfeita, ascendendo aos céus em rampa de pedra com ângulo inimaginável nesta época.  Uma utopia geométrica, só materializada mais tarde por seu filho na Grande Pirâmide. 

Foto T.Abritta, 1991.


Foto T.Abritta, 1991.

 

...possa o céu chover a fresca mirra,

  possa ele gotejar incenso sobre o teto do templo do Faraó Snofru.

 

          Estes reis não subiram ao firmamento, mas deram um senso de eternidade à escala humana de tempo, quando lemos, mais de três mil anos depois, esta mensagem deixada por visitantes que aqui estiveram quase mil anos após esta pirâmide elevar-se no deserto de Meidum (*)

A inscrição nos levava através este mundo, largos corredores e galerias, ora descendo ou subindo até chegarmos à portentosa câmara mortuária. 

Em desafio ao tempo, no teto, enfiadas entre blocos de pedra, toras de madeira.  Esquecidas da época da construção?  Há quanto tempo?  Mistério.  Convite à reflexão (**)

Madeira no teto da câmara mortuária.  Foto T.Abritta, 1991

 

Quando saímos da pirâmide, momento único e especial: o sol raspava o solo atravessando as palmeiras do oásis.  De longe, muito longe, como trazido pelo vento, o cântico Alaaaá, propagava-se na planura. 

Ao nos dirigirmos para o carro, um tropel, cavaleiro com cara de nenhum amigo.  Falava em árabe, aos arrancos, como sua montaria que rodopiava e bufava irrequieta.  Empinou o cavalo que, num relincho como se gabasse ser um puro sangue, sumiu em nuvem de poeira.  O motorista tremia – jamais havia recebido tão importante emissário – e gaguejou explicando que fomos convidados para um chá por importante líder tribal. 

A casa era de tijolos de barro secados ao sol, coberta de esteiras feitas com fibras de palmeiras, mostrando que praticamente não chovia por aqui.  Tiramos os sapatos e sentimos a maciez e a beleza dos tapetes que contrastava com a aridez exterior.  Suas tramas irregulares diziam terem sido tecidos por diferentes mãos a cada parada de uma caravana.  Os chefes locais nos esperavam em torno de reluzente narguilé de cobre.  Em uma trempe, fogo aquecendo chá.  Por aqui, brasileiros eram considerados irmãos.  Não traziam a arrogância dos conquistadores. 

Entre outros assuntos falei do Saara (Sociedade dos Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega), centro comercial no Rio de Janeiro, onde todos os brasileiros convivem pacificamente, independente de religião ou origem de seus país. 

O assunto foi um sucesso, a cada pausa eram enviados emissários que traziam novos ouvintes para a história.  E lá ia eu repetindo tudo de novo, e o pobre motorista – que falava todas as línguas e nenhuma – nervosamente traduzindo.  Só Alá poderia conhecer a versão que saía em árabe.

Infeliz ideia.  Resolvi mudar a história.

Falei de um árabe em Paris, vizinho de minha cunhada, proprietário de pequena loja que só fazia trabalhar de segunda a domingo.  Para tal, tinha sócio judeu e outro cristão.  Seu comércio não tinha dia santo.  Enquanto isto, os franceses tiravam férias e descansavam nos fins de semana.  O árabe acabou rico e dono de um supermercado. 

Todos os antigos ouvintes foram chamados de novo.  A cada tropel, nova repetição, e o motorista sempre assustado com as reprimendas que recebia cada vez que tentava abreviar o relato daquela história, que já sabia de cor e salteado.

Foi um chá inesquecível, todos felizes com a paz no nosso Saara e as notícias do esperto árabe parisiense que já consideravam como irmão.

Os primeiros raios de sol da alvorada já iluminavam a grande pirâmide de Quéops, enquanto sacolejávamos no carro retornando para o Cairo.


Notas:

(*) Nos corredores e na câmara funerária desta pirâmide foram encontradas diversas inscrições.  Uma delas foi traduzida como: “No 12o dia, do 4o mês do verão, no 41o ano do reinado de Tutmósis III, o escriba Aakheperkara-Seneb, filho de Amenmesu, veio ver o magnífico templo do Faraó Snofru.  O seu sentimento foi como se o céu estivesse presente e aqui o sol se erguesse.  Então ele disse: Possa o céu chover a fresca mirra, possa ele gotejar incenso sobre o teto do templo do Faraó Snofru”.  Ver em As Pirâmides do Egito, I.E. S. Edwards, Editora Record, Rio de Janeiro, 1985.

 (**) oito anos depois, esta madeira e outros resíduos orgânicos encontrados em outras pirâmides, foram datados por técnica de rádio carbono, dando resultados, em média, quatrocentos anos mais antigos do que as datas históricas associadas aos faraós e suas pirâmides, como constavam na Cambridge Ancient History.  Ver em Dating the Pyramids, David H. Koch Pyramids Radiocarbon ProjectArchaeology, volume 52, número 5, 1999.

 


 





quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Hórus

 

          Era nossa segunda vez no Egito.  Visitaríamos o que normalmente não é visitado.  Veríamos o que não é visto. 

          Caminhávamos por areias infinitas.  As pirâmides de Abusir reduzidas a três montes de pedras e terra, cercadas de ruínas de templos, inscrições e colunas papiriformes que teimavam permanecer em pé por mais de quatro mil anos.  Pareciam as páginas de enorme livro despedaçado, revelando aqui e ali um pouco da história destes faraós. 

Pirâmide de Sahurê. Foto T.Abritta, 1991.

          A entrada da pirâmide de Sahurê estava pouco abaixo do nível do solo, pequena abertura esmagada entre lajes de granito. Para facilitar a passagem, deixei de fora a mochila com todos os equipamentos, inclusive lanternas e pilhas extras – um esquecimento imperdoável.  

Entrada da Pirâmide de Sahurê. Foto T.Abritta, 1991.

 

          O guia ia à frente, seguido por mim e Cristina.  Descemos por inclinado corredor quase obstruído, pedras desabadas do teto, fendas por todos os lados.  Morcegos adornavam o caminho, soprando nossos rostos com os deslocamentos de ar dos precisos e invisíveis voos na escuridão.  O facho de luz do guia mal iluminava as fendas de passagem e os lugares seguros para nossos passos.  O negrume, o silêncio e as mãos ressequidas tateando a pedra, pareciam ampliar o cheiro insuportável. 

          O corredor ficou horizontal, diminuindo o medo de rolar no desconhecido.  Não me saia da cabeça o conto A Nova Catacumba, de Conan Doyle, onde um arqueólogo abandona seu colega na escuridão, fugindo com o único lampião disponível.  Cada metro avançado, a lembrança desta história:

 

          ...em algum lugar, um ruído roçagante.

 

Atravessamos um pórtico de granito, iniciando pequena subida.

 

          ...vago som de pé batendo em pedra.

 

          A câmara mortuária, em calcário de Turah, originalmente tinha o teto formado por três pares superpostos de gigantescos blocos de pedra, pesando, cada, umas oitenta toneladas.  Hoje o grandioso é assustador.  Mal ficávamos de pé, mesmo assim graças aos dois únicos blocos não fragmentados.  Quantos dias, anos ou séculos ainda resistiriam ao esmagamento do peso de quase cinquenta metros de rochas e areia?

          Nisto, a gravidade do momento foi conspurcada por uma voz feminina em tom desconhecido pelo Ba de Sahurê:

          – Eu me arrastando, quase esquecida na escuridão, e apenas os pés do Sahibi iluminados!

Era o preço do curto-circuito da cultura islâmica e latina. 

 

          ...o silêncio envolveu e engolfou o velho templo – um silêncio estagnado e pesado se fechou.

 

          Não resisti, tomei violentamente a lanterna do guia e iniciamos o retorno.

          Na saída da tumba, um falcão assustado alçou voo, dando a impressão de que estava pousado nos ombros da Cristina.  O guia, até então face cerrada, sorriu, apontou o pássaro cortando o céu.

Com alegria, disse: Hórus (*).

 

(*) Deus Solar, filho de Osíris e Ísis, representado por um falcão.




 




quarta-feira, 15 de julho de 2020

Ranu Raraku


“Saúdo primeiro a cratera, Ranu Raraku, suas pálpebras
de lodo e seus velhos lábios verdes:
é amplo, e altos muros o circundam, o encerram,
mas a água lá embaixo, mesquinha, suja, negra,
vive, se comunica com a morte
como um iguana imóvel, sonolento, escondido.”

De “A Rosa Separada”, Pablo Neruda, tradução de Olga Savary



Foto: cratera do vulcão Ranu Raraku, Ilha da Páscoa-1999.


sexta-feira, 5 de junho de 2020

domingo, 3 de maio de 2020

De quem é o sutiã?




          Este filme narra a última viagem de um solitário maquinista antes de se aposentar.  Mas, esta foi uma aventura inusitada, descrevendo sua odisseia para encontrar a dona de um sutiã que ficou preso no trem após passar por estreita passagem dentro de um povoado no leste europeu, onde os trilhos eram usados como caminho, área de laser, local para secar roupas e por aí vamos.
          Podemos dizer que o filme é a versão moderna do sapatinho da Cinderela que era experimentado por várias mulheres.
          Uma originalidade deste filme é a ausência total de diálogos, com os personagens se comunicando com pequenos gestos ou expressões faciais.  Outro ponto marcante são as maravilhosas paisagens do Azerbaijão e as imagens das pequenas vilas no topo das montanhas. 
          Obs. O filme pode ser visto no “Now”.

          Este filme, com o trem passando rente às casas da vila, me fez lembrar um fato narrado pelo gerente de uma distribuidora de açúcar, que ficava em um galpão na Ponta do Caju, no Rio de Janeiro: os sacos de açúcar chegavam de trem e depois de descarregados ficavam estocados no galpão ou eram transferidos diretamente para os caminhões que fariam a distribuição pelos mercados.
Mas, tinha um problema, pois os trilhos ficavam quase que cobertos pelas construções de diversas favelas.  O trem vinha apitando, pessoas tirando cadeiras dos trilhos, outros fechando janelas e portas. 
          Como não havia recolhimento de lixo nas favelas, os moradores atiravam tudo sobre o trem, que chegava soterrado por uma montanha de lixo.  A distribuidora tinha que contratar garis e caminhões para desenterrar os vagões e depois retirar a lona que cobria os sacos de açúcar. 


          Soluções para a desídia do poder público!

domingo, 19 de abril de 2020

Solitude



 A década de 70 foi uma época de grande repressão e violência política. Alguns jovens tentavam procurar caminhos olhando para as filosofias orientais, indianas e dos misteriosos povos do Himalaia. Livros como Sidarta, de Hermann Hesse e O Fio da Navalha, de Somerset Maugham, faziam muito sucesso. O primeiro descreve, em forma de romance, a vida de Sidarta que no fundo era a vida do próprio autor, em sua busca de credos mais autênticos que o levaram a uma peregrinação pela Índia. O segundo romance descreve a odisseia espiritual do jovem Larry, buscando um sentido para a vida e para a morte, após os horrores da Segunda Guerra Mundial.
Outros jovens encontravam uma saída para as suas buscas existenciais não no autêntico Budismo Indiano e sim no Zen Budismo Japonês, que fez um grande sucesso no Ocidente com o livro Introdução ao Zen-Budismo, de D.T.Suzuki, lançado em várias línguas com prefácio de C.G.Jung. Este livro era um prato feito para aqueles que procuravam fugir da lógica do nosso cotidiano, começando pela definição destas ideias: "O Zen nunca explica. Somente nos oferece sugestões. Tentar explicá-lo é como tentar prender o vento em uma caixa. No momento em que se feche a tampa, perde-se o vento e obtém-se o ar estagnado..." Assim como hoje os jovens compram caríssimos telefones celulares, naqueles tempos impressionavam-se apenas com algumas citações Zen Budistas, como: "O caminho do meio está onde não há nem meio nem dois lados. Quando estais escravizados ao mundo objetivo, tendes um dos lados, quando estais com a mente perturbada, tendes o outro. Quando nenhum desses lados existe, não há a parte do meio, e, portanto, aí estará o verdadeiro caminho.
Todos diziam genial, genial e seguiam contentes, embalados pela belíssima música de Ravi Shankar e o som das cordas de sua sitar...


Foto "Solitude". T.Abritta, Tibet (2007).


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Um pôr do sol sépia



Boa noite para todos, com um pôr do sol no Parque Nacional de Samburo, norte do Quênia.
Notem que o tom sépia da imagem foi devido à saturação das cores do filme fotográfico com a intensidade luminosa, pois a foto foi feita à contra luz.


Foto T.Abritta, janeiro de 2001.


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Amanhecendo no Parque Nacional de Samburo



          Antes de descer os degraus, prestar atenção se não tem nenhum crocodilo por perto, pois a barraca fica a uns cinco metros de um rio.  Ah, não esquecer de fechar a barraca para evitar que os macacos levem tudo.
          Esta primeira noite foi meio assustadora, pois um leão subiu em uma árvore do outro lado do rio, os bugios protestavam fazendo uma algazarra inimaginável e os crocodilos, assustados, mergulhavam nas águas fazendo um barulhão.  Abri a cortina, mais dava medo por não saber o que estava ocorrendo na escuridão total.  E nós naquela barraca de lona...

Parque Nacional de Samburo, janeiro de 2001

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

O Fotógrafo e seus Modelos



          Esta foi a minha primeira visita à África Negra – já havia visitado o Egito e Marrocos. 
          Agora visitaria a África do Sul, Quênia, Tanzânia, Zimbábue e Zâmbia. 
          Eu estava muito doente, sendo diagnosticado dias antes da viagem que sofria de uma doença autoimune (polimiosite) que enfraquecia os músculos.  Assim, tomando sessenta miligramas de cortisona por dia e muitos anti-inflamatórios, parti para o que poderia nunca mais voltar. 
          Mas, entre pioras e melhoras, sobrevivi e tive muitas alegrias como fotografar estas simpáticas jovens Samburos no Quênia. 
          Os Samburos são nômades e vivem da criação de gado. 
          Suas mulheres vestem-se com grande sofisticação, mesmo no trabalho e nas tarefas de seu cotidiano. 
          

Foto janeiro de 2001



quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Aconcágua



O Aconcágua é a maia alta montanha da América do Sul, situada na Cordilheira dos Andes, em Mendoza, Argentina, próximo da fronteira com o Chile.  O pico desta montanha está a uma altura de 6962 m. 
          Normalmente os cumes de montanhas muito elevadas são cobertos por neves eternas, mesmo no verão, não dependendo da latitude, como o Kilimanjaro no Quênia.
          A foto abaixo, tirada há uns dez anos, durante uma viagem para Santiago, quando o avião parece tocar esta montanha, mostra um Aconcágua praticamente sem neve, apresentando vários pontos da rocha negra. 
          Como a neve reflete radiação solar enquanto as rochas escuras absorvem, este processo é acelerado ano a ano, podendo ainda ser favorecido pela poluição atmosférica. 
          Esta consequência do aquecimento global pode ser atenuada pela ação humana, evitando as queimadas em vários pontos de nosso país.


Aconcágua