Botswana, Foto T.Abritta, 2008

domingo, 29 de março de 2015

AINDA (AÚN)


Ainda (Aún)


Vulcão Osorno. Araucânia, Chile. Foto T.Abritta, janeiro de 2004.


Harpa de Osorno sob os vulcões!
Soam as cordas escuras
Arrancadas ao bosque.
Olha-te no espelho de madeira!
Consome-te
na mais poderosa
fragrância de outono
quando os ramos deixam
cair folha por folha
um planeta amarelo
e sobe sangue para que os vulcões
preparem fogo cada dia.

                                       Poema XI de Ainda (Aún)

          “Aún de Araucânia, onde um dia cresceu para ser amplo / como a terra ou mais extenso ainda ... “
          “Ainda de o sangue ainda sobre as rochas ... ainda no azeite gelado.”

Tradução de Olga Savary

segunda-feira, 2 de março de 2015

Nas Alturas de Itatiaia


          Inicio o ano de 2010 diante das Montanhas de Itatiaia, na parte alta do parque.
          Silêncio total.  A paisagem vazia leva-nos à introspecção.  Escaladores de alturas não são vistos – tempos chuvosos, pedras escorregadias.  Nem outras pessoas por aqui passeiam – caminhos pedregosos. 
          Chegando à Garganta do Registro; na parte mais alta do caminho para Itamonte, a quase mil e oitocentos metros de altura, entra-se no parque.  O jipe, mesmo com tração nas quatro rodas, salta, trepida e resvala no que, há muito, foi estrada.  Hoje, amontoado de pedras soltas, entulhadas ao acaso.  Caminho quase inexistente.  Apenas traços do rumo abandonado pelo homem.  A Natureza torna-se mais presente com o verde tentando cobrir o negrume dos sucessivos incêndios florestais e telhados abandonados nas ruínas das velhas construções.
          Após alguns quilômetros continuamos a pé.  Mas a caminhada foi breve.  As pernas já não são as mesmas de ontem.
          Esmagado entre o azul do céu e a aspereza das pedras, pensava: conheci os sete continentes.  Florestas, desertos, geleiras, savanas e vulcões.  Rios, lagos, oceanos.  Mas não chegarei mais às alturas de Itatiaia.  Ao longe fico a contemplar.  Passadas quatro décadas, apenas aqui cheguei.  Suas chaminés já venci.  Suas alturas já subi.  Suas rochas já senti.  O céu quase toquei.  Entre suas nuvens andei. 
          Tão longe repousa agora o Pico das Agulhas Negras.  Tão distante a Serra das Prateleiras com chaminés, paredões e vistas das regiões de Itatiaia e Resende dobrando-se no horizonte distante.  As gigantescas rochas com formas singulares, como a Pedra da Tartaruga, apenas no fundo da memória passada. 
          Sinto não ter caminhado por outras alturas.  Lá em cima ficaram os Himalaias, as neves do Kilimanjaro.  O Aconcágua derretendo-se ao sol.
          Até o Pico da Bandeira – ah, que esforço pra chegar lá – deixou de ser nosso ponto culminante.  Até então perdido na imensidão Amazônica, descobriu-se o novo teto do Brasil, o Pico da Neblina, onde jamais pisarei.  Pouco mais ao norte, o Monte Roraima, agora para mim apenas a montanha que inspirou o Mundo Perdido de Conan Doyle. 


            Agora estão as montanhas estendidas
como cavalos azuis adormecidos.

          No silêncio, descanso para o penoso retorno.  Um calango atrai o olhar, mostrando caminhos a explorar.  Vidas humanas individuais são finitas.  A grandeza da Natureza é que traz sentimentos de eternidade. 
Agora, o pequeno réptil caminha sobre fungos, atravessa “florestas” de flores silvestres, sumindo no mimetismo e riqueza dos campos de altitude com suas folhas e pétalas refletindo infinitas cores de luz. 
Muito a explorar.  A descobrir. 
Alegro-me.  No fundo, aqui estou apenas para despedidas.  Aceno ao longe, muito longe, nesta jornada sentimental. 
          Tomarei outros rumos.  Seguirei o calango. 

            No horizonte, o céu é meditativo e suave;
            Parece que repousando no limite do tempo,
seus corações se reconciliaram. 


Nota:

Fragmentos intertextuais da poesia Montanhas Ao Meio-Dia, de Charles Edward Eaton, traduzida por Jorge de Lima.




Iguana. Chichén-Itzá, México. Foto T.Abritta, 2006.