Botswana, Foto T.Abritta, 2008

quarta-feira, 16 de março de 2016

Paraísos Perdidos: De Darjeeling ao Reino de Sikkim


          A década de 70 foi uma época de grande repressão e violência políticaAlguns jovens tentavam procurar caminhos nas filosofias orientais e nos misteriosos povos do Himalaia.  Livros como Sidarta, de Hermann Hesse e O Fio da Navalha, de Somerset Maugham faziam muito sucesso.  O primeiro descreve, em forma de romance, a vida de Sidarta que no fundo era a vida do próprio autor, em sua busca de credos mais autênticos em peregrinação pela Índia.  O segundo romance é sobre a odisseia espiritual do jovem Larry buscando um sentido para a vida e para a morte após os horrores da Segunda Guerra Mundial. 
          Outros jovens encontravam uma saída para buscas existenciais, não no autêntico Budismo Indiano, mas no Zen Budismo japonês, que fazia grande sucesso no Ocidente com o livro Introdução ao Zen-Budismo, de D.T.Suzuki, lançado em várias línguas com prefácio de C.G.Jung.  Este livro era um prato feito para aqueles que procuravam fugir da lógica do nosso cotidiano, através destas ideias: O Zen nunca explica.  Somente nos oferece sugestõesTentar explicá-lo é como tentar prender o vento em uma caixa.  No momento em que se feche a tampa, perde-se o vento e obtém-se o ar estagnado.
Assim como hoje os jovens compram caríssimos telefones celulares, naqueles tempos causavam grande sucesso citações Zen Budistas como: O caminho do meio está onde nãonem meio nem dois ladosQuando estais escravizados ao mundo objetivo, tendes um dos lados, quando estais com a mente perturbada, tendes o outroQuando nenhum desses lados existe, não há a parte do meio, e portanto estará o caminho do meio.  Todos diziam genial, genial e seguiam contentes, embalados pela belíssima música de Ravi Shankar e o som das cordas de sua sitar.

          Em julho de 2007, movido por uma grande nostalgia, parti para uma viagem pelos outrora chamados “Paraísos Perdidos do Himalaia”.  A “peregrinação” começou pelo norte da Índia, percorrendo quase mil quilômetros por terra através de Darjeeling, dos Reinos do Sikkim e do Butão e por via aérea ao Nepal e Tibet.  Em uma série de três crônicas falaremos sobre estes lugares que me fizeram sentir como os personagens do filme Bye, Bye, Brasil de Cacá Diegues (1980), que, com um pequeno circo, percorriam o Brasil, procurando um lugar que não tivesse televisão que lhes tirasse a plateia.  Resolvem então partir para a mítica Amazônia.  Chegando a Marabá, no Pará, tiveram uma grande decepção, pois encontraram devastação ambiental, estradas lamacentas e um mar de antenas de televisão.

Darjeeling, o reino do chá.
          Darjeeling e o Reino do Sikkim ficam em uma pequena região nos contrafortes do Himalaia, entre o Nepal e Butão, fazendo fronteira ao norte com o Tibet, na parte mais setentrional do atual estado indiano de Bengala Ocidental.  O único aeroporto fica na cidade de Bagdogra, de onde se pode pegar um pequeno trem a vapor na cidade próxima de Siliguri e chegar a Darjeeling ou Kalimpong, desembarcando em estações ferroviárias dos tempos dos Rajás, com altitudes de quase mil e quinhentos  metros.  Pode-se chegar também percorrendo os noventa quilômetros de estrada a partir do aeroporto, o que leva um dia inteiro, que a via tem um asfaltamento precário, um intenso trânsito de caminhões em mão dupla e é margeada de cidades e povoados com multidões de pessoas, animais e vacas sagradas entre os veículos que buzinam freneticamente. 
          No final do dia chegamos à mítica Darjeeling, a antiga capital de verão de Bengala Ocidental.  A cidade tem a aparência arquitetônica de um bairro popular da Baixada Fluminense, transplantado e moldado nas alturas das montanhas, mas com  sua feiúra atenuada pelo verde das plantações de chá.  As construções escalam aleatoriamente as encostas, em um equilíbrio tecnicamente impossível, acompanhadas de uma profusão de fios e tubulações de gás que atravessam ruas, sobem paredes e becos, dando impressão de que tudo está prestes a explodirMas, passado o impacto com este caos causado pela bomba populacional, começamos a gostar e admirar a diversidade humana e cultural do povo da região.  A par da população original, os Lepchas – que falavam Rongaring, uma língua Tibetano-Burmanesa –, temos os Gurkhas, um povo guerreiro, os Sherpas, Bengalenses, Tibetanos, Nepaleses e muitos outros, com uma grande riqueza de línguas, trajes e costumes.  No meio daquela multidão nos sentimos muito bem, pois não existe nenhuma insegurança, todos são extremamente educados e atenciosos, ninguém fala alto ou com irritação.  A maioria das pessoas é muito pobre, dando a impressão de que se alimentam apenas com o mínimo para se manterem vivos, desmentindo tese de nossospensadores” de que violência e pobreza são indissolúveis
          Após beber muito chá, fomos visitar o Instituto de Montanhismo do Himalaia e nos impressionarmos com a precariedade dos equipamentos usados pelos primeiros conquistadores do Everest, como Tenzing Norgay Sherpa juntamente com Sir Edmund Hillary.  Outro ponto imperdível para um turista cultural é o Hotel Windamere, que foi residência de Mr. Laden La (1876-1936), um grande militar e político da região, com grande trânsito nas cortes do Tibet, Nepal e Butão e bem articulado com os chineses e colonialistas ingleses.  Posteriormente, sua residência foi transformada em um refúgio para fazendeiros ingleses que vinham visitar suas plantações de chá e hoje em dia é um hotel que nos leva ao passado com seus aposentos decorados com antiguidades e uma magnífica coleção de fotografias das pessoas e da vida na região, com mais de um século. A direção do hotel proibia que fossem fotografadas as fotos antigas.  Afinal de conta não é muito protocolar que imagens de realezas fossem digitalizadas e circulassem por Mas a Rainha do Butão ocupava um pedaço da parede do meu apartamento e foi irresistível cometer um sequestro digital, apresentado na figura 1.

Figura 1 – Rainha do Butão em visita a Darjeeling no início do século passado.  Foto Windamere  Hotel.  Foto T.Abritta, 2007.

Sikkim, o reino virtual
          O Reino do Sikkim foi fundado por budistas de origem tibetana no séc. XVII, tendo a dinastia dos Chogyals reinado até 1975, quando através de um plebiscito foi anexado à Índia, encerrando o reinado de Palden Thondup, o último Chogyal.  Entretanto mantém o status de reino virtual, conservando sua História e Cultura.
          Para entrarmos neste simpático Reino, temos que obter uma prévia autorização e passar por suas autoridades de fronteira, que ficam ao lado de um aconchegante bar, onde aguardamos que nossos passaportes sejam carimbados (V. figura 2).

Figura 2 – Carimbo de entrada no Reino de Sikkim.  Foto T.Abritta, 2007.


          A partir da “fronteira” seguimos por uma estrada precária, mas muito movimentada, que sobe as montanhas serpenteando ao longo do vale do Rio Teesta.  Neste caos rodoviário sentimos pulsar e respiramos a tão saudada economia indiana, pelo ruído constante das buzinas, pela poluição causada pelos caminhões Tata, de fabricação indiana, e pelo casario que nos acompanhava, como se uma cidade infinita fosse espichada ao longo do nosso caminho, lançando toda a sorte de dejetos nos rios que deveriam ser cristalinos como as águas das montanhas, mas que se apresentam encardidos pela degradação ambiental. 
          Esta explosão demográfica indiana assusta quando começa a subir pelos Himalaias, destruindo tudo pela frente, inclusive a vida animal.  Nas planícies indianas, as plantações de arroz invadem a natureza selvagem e a todo momento observamos cercas eletrificadas, que tiram dos elefantesencarnação do deus Ganesha – o direito de ir e vir e de sobreviver, que não podem comer nem arroz, nem os seus alimentos naturais com a invasão de seu habitat.  Os Tigres de Bengala, que chegavam a quarenta mil no início do século passado, hoje são pouco mais de três milCada vez que um tigre mata um humano ‒ ato extremo de sobrevivência ‒ outros são impiedosamente assassinados, desagradando Shiva, que responde com mais sofrimento para os homens
          Gangtok, a capital deste reino, no alto das montanhas, a mais de mil e quinhentos metros de altitude, tem a aparência de uma favela urbanizada por uma empreiteira brasileira, com suas ruas tortas, pavimentação precária, esgoto escorrendo pelas calçadas e tanta gente que nãopara imaginar como sobrevivem.  Mas a beleza de seus templos, como os monastérios Enchey, Rumtek e o Instituto Namgyal de Tibetologia, em muito contribuiu para o sucesso de nossa “peregrinação”.
          No Instituto de Tibetologia, que tem uma fantástica biblioteca de escrituras budistas medievais, fomos obrigados a uma meditação em plena escuridão, pois um grupo de mongezinhos endiabrados apagou as luzes do templo e cerrou as enormes portas, divertindo-se para valerEm outros templos fomos surpreendidos por monges atendendo telefones celulares durante a récita de mantrasMas o mais marcante foi a visita ao Monastério Rumtek. 
          Em 1959, após a invasão chinesa no Tibet, o líder religioso de uma das mais antigas seitas do budismo tibetano, Gyalwa Karmapa, foi para o Sikkim e construiu uma réplica do antigo monastério tibetano, levando todos os objetos de culto, livros e um fabuloso tesouroCom a morte de Karmapa em 1981 – que era o 16o desde a fundação da seita – iniciou-se uma disputa entre facções, que resultou em intervenção judicial e até hoje o monastério é vigiado por tropas militares, com soldados armados de metralhadoras e que seguem cada visitante como se fossem agentes terroristas plantados pelos chineses que ocupam o Tibet.  Neste clima de violência fotografei um pequeno monge que se escondia atrás de um muro para fugir das cerimônias religiosas em curso, com a participação de mais de cem monges e todos os estudantes (V. figura 3).  O “Pequeno Buda” parecia ter chegado à “Iluminação” transmitindo pensamentos como: Se um homem pudesse silenciar todos os desejos e fazer o bem... A paz é possível na quietude sem fim do Nirvana.

Figura 3 – O “Pequeno Buda.  Foto T.Abritta, 2007.

          A nossa despedida do Monastério Rumtek foi solene.  No portão de saída a guarda formada por militares Sikhs, como se perfilada, nos devolveu os passaportes, todos com um sorriso inimaginável naquelas faces condicionadas para a guerra.  Saudaram-nos com as palavras: Ronaldo, Ronaldinho.  Fomos tratados com honra protocolar de verdadeiros súditos do Reino Encantado do Futebol, onde impera somente alegria entre os homens.  





sábado, 12 de março de 2016

avidarG



avidarG

Pulsão
signos na razão.
Fixação.
Na confusão
de seu contrário ler

Gradiva.

Fotografia da moldagem do baixo relevo que inspirou Jensen.

Nota:
Em 1907 Freud escreveu um ensaio intitulado: O Delírio e os Sonhos na Gradiva de W.Jensen.  Gradiva é um romance escrito no Séc.XIX por Jensen, que trata da fixação de um arqueólogo pelos pés de uma figura feminina representada em um baixo relevo encontrado na Roma Antiga.  Freud ao ler este romance fez o estudo, reconhecendo que os escritores estão mais adiantados do que os psiquiatras no desvendamento da Alma Humana. Após a publicação do estudo, Freud procurou  fazer com que o escritor se interessasse pelo campo de investigação psicanalítica, mas ele recusou a tal atividade.