Botswana, Foto T.Abritta, 2008

sábado, 28 de janeiro de 2017

O Caronte do Amapari


          Para os antigos gregos, um dos lugares mais remotos seria o mundo infernal, que era situado no interior da Terra.  Sua entrada era localizada em Cumas, região vulcânica perto do golfo de Nápoles.  Para a travessia do mundo dos vivos para o mundo dos mortos as almas deviam atravessar, na barca de Caronte, o Aqueronte, um dos cinco rios infernais.


O Caronte do Amapari.  Foto T.Abritta, 1999.

          E para nós, o que seria o lugar mais remoto deste Mundo?  Bem, isto depende da experiência de cada um.
Do ponto de vista geográfico, eu pensaria como sendo um lugar inabitado e afastado de qualquer povoação.  Neste sentido poderia ser o ponto localizado na superfície do Oceano Ártico e chamado de Polo Norte de Inacessibilidade com coordenadas 84·1°N, 174·8°W.  Este ponto fica a 1100 km de qualquer litoral e foi sobrevoado pela primeira vez em 8 de abril de 1941 por Ivan Cherevichny em um avião da antiga União Soviética.
          Mas para mim, dentro das minhas experiências e sensações de viagem, o ponto mais remoto do Mundo é a região das nascentes do Rio Amapari, no Estado do Amapá, devido não só às dificuldades de acesso, como a sensação de penetrar em um Mundo intocado e na época pouco conhecido.

          A viagem começa em Macapá, onde embarcamos em um trem da Estrada de Ferro do Amapá, que pertencia à antiga companhia mineradora que explorava manganês na Serra do Navio.  São 220 quilômetros por florestas, alagados e pequenas povoações ribeirinhas.
          O ponto final da viagem é a Vila de Serra do Navio, que após o esgotamento das jazidas de manganês, foi cedida aos antigos operários e a ferrovia entregue ao Estado.  Hoje tentam desesperadamente sobreviver no meio da selva.
          A próxima etapa, para evitar as “varações” – carregar as canoas em trilhas pelas matas para contornar as cachoeiras do Rio Amapari –, foi uma viagem de algumas horas pelas ruínas de um pequeno trecho do que seria a BR 210 (Perimetral Norte), felizmente abandonado e transformado em montes de terra e barro pela ação do tempo.
          A partir daqui, apenas o esplendor da Natureza com o Amapari intocado.  E nós sempre guiados por um hábil piloteiro – aquele que opera o motor de popa –, orientado pelo “proeiro”, que se equilibrando em pé, através de elegantes gestos, indicava a rota do barco, que ia a grande velocidade contornando pedras e troncos nas águas.
          Assim adentramos nas terras dos Waiãpi, felizmente hoje protegidas pelo Parque Nacional Montanhas do Tucumaque.



quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

O Brasil que vale a pena.


          Este país tem tantas coisas e pessoas interessante e boas, que é uma lástima que tenhamos que perder tanto tempo lutando contra excrescências que pululam nestas cortes e parlamentos ditos supremos.  Mas, como ninguém é de ferro, falemos dos rostos alegres e humanos que vivem nos fundões do Brasil e que muitos, infelizmente, não conhecem.
          Esta história ocorreu nos meados dos anos 90.
O pequeno avião voava rente às copas das gigantescas árvores.  Macapá ficava para trás, a paisagem de alagadiços e florestas se impunha.  Éramos uns oito, quase todos de São Paulo.  Naqueles tempos, viagens como esta eram desqualificadas pelos Cariocas: “Pô, isto é programa de índio...”. 
          A chegada em Oiapoque foi emocionante – quem não se lembra das antigas aulas de Geografia: “O Brasil vai do Oiapoque ao Chuí”?
          Nem tivemos tempo de passar no hotel.  O jeito foi alugar um ônibus caindo aos pedaços e irmos almoçar com o comitê de recepção. Todas as autoridades – claro, as importantes –, estavam presentes: o prefeito-índio, o capitão comandante do batalhão de guerra nas selvas, sua esposa e filhinha; o piloto e copiloto do avião, a recepcionista do aeroporto – que foi fechado – e os dois sargentos operadores do radar do Cindacta, que foi deixado no modo automático.
          Depois do almoço passeamos de canoa pelo rio Oiapoque, conhecemos suas cachoeiras, visitamos a Guiana Francesa e após muito esforço, praticamente empurrando o ônibus por caminhos lamacentos, chegamos a uma aldeia indígena.
          Todos pareciam ter sido abduzidos.  Era uma transmissão especial, via satélite, do último capítulo de uma novela da Globo...

          O único rosto amigável foi da indiazinha que apareceu na janela.


Oiapoque, AP. Foto T.Abritta.



segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Por trás da Imagem


          Examinando velhas fotos lembrei-me desta.  Foi tirada em 1992, na cidade de Marrakesh no Marrocos.  Andava pelas ruas desta cidade e achei interessante este enorme portão.  Ao clicar uma foto, de imediato percebi ter cometido séria ofensa.  Um dos soldados, de imediato, veio na minha direção e, com ar aparvalhado, falou-me:
-“O senhor tirou uma foto?”
          - “Mas o Rei está presente!”
          A minha vontade era dizer: “E daí? Como iria saber?”
          Mas a prudência falou mais alto e convenci o soldado que não seria necessário apreender o filme. 
          Estava usando uma velha câmara manual Olympus OM-1.  Simplesmente voltei o filme uns dez fotogramas e bati umas cinco fotos do chão.  Com o soldado convencido de que a imagem do sacrilégio havia sido destruída, avancei uns seis quadros e continuei o meu caminho até a revelação final!
          Histórias “fotográficas”...



Marrakesh, Marrocos.  Foto T.Abritta, 1992.