Botswana, Foto T.Abritta, 2008

terça-feira, 17 de maio de 2016

O QUADRO NEGRO


O Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, associado à Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, edita um periódico, o Braudel Papers.  Não sei por que o papers, em inglês, já que Braudel era francês, mas vá lá. O fato é que a publicação merece ser lida. No seu último número, apresenta uma aluna pobre, de uma escola da periferia de São Paulo, em Capão Redondo, um desses lugares miseráveis e violentos, onde o poder público chega apenas marginalmente, abandonando e oprimindo, e onde a maioria dos jovens tem como causa mortis um assassinato.  Sandra tem 17 anos e é desses diamantes brutos que o Brasil insiste em produzir, contra todas as condições, e que em sua maioria jamais serão lapidados e se perderão cedo na vida, devido à cruel falta de oportunidade.  Sandra teve sorte, foi convidada a trabalhar no Instituto Braudel.  Trabalha de dia e estuda à noite, como centena de milhares de jovens em todo o Brasil.  A escola de Sandra é típica escola de periferia da cidade mais rica do Brasil, São Paulo.  Ela foi convidada pelo Instituto a fazer um diário de seu ano escolar. O relato é devastador. Realidade em prosa de algo que os governos enxergam apenas em números.  Para as estatísticas, Sandra faz parte das 96% das crianças brasileiras que estão na escola.  Para Sandra, a escola é um lugar que fica a anos-luz do que se poderia esperar de uma instituição de ensino.  Apesar de tudo, mesmo no inferno, há quem tente melhorar, há quem busque o conhecimento, mesmo em meio a tanto abandono e desfavorecimento.  Seu diário mereceria publicação em livro.  É a visão pungente, sem retoques, de como o Brasil trata a maioria de seus filhos.  Mostrarei apenas o primeiro dia do diário, que em si já é uma crônica escrita com estilo enxuto, objetivo, sem adjetivos, que orgulharia a maioria dos jornalistas que conheço (e que não conheço também

“Quarta-feira, 14 de fevereiro.
As aulas começaram há seis dias, só que até agora nenhuma
matéria foi dada.  Como o horário das aulas ainda não foi definido, os alunos ficam nos corredores, até às 19h20, querendo saber para que salas irão.  Outros preferem ficar do lado de fora da escola, escutando o som que vem de um carro estacionado.  Na sala de português não há iluminação suficiente e há goteiras nos corredores.  Quando as aulas começam, os alunos reclamam muito quando os professores usam a lousa.
Por enquanto, ainda estão fazendo simplesmente revisão.  A professora de português, Marina, passou um texto sobre narração que encheu a lousa.  Depois da primeira aula resolvi sentar na parte do fundo.  Dois alunos sentados atrás de mim conversavam sobre armas:
- Seu pai ainda tá com aquele calibre 12?
- Tá sim, quer comprar?
- Quanto ele quer?
- R$ 1.500.
- Você tá louco! E aquela arma da polícia, que atira bolinha de borracha, que eu não sei o nome, quanto ele quer?
- R$ 350.
No início da conversa, pensei que fosse brincadeira. Sendo eu nova na sala, talvez quisessem me impressionar. Não tenho certeza.  Quando a professora de química disse que não ia deixar sair da sala para fumar, os meninos disseram: “Aqui ninguém fuma, só cheira!”
Quando o sinal bateu para a última aula fui até o orelhão que instalaram na escola.  Alguém já tinha quebrado.  Às 22h fui embora.  Não tinha luz na rua.”

Fritz Utzeri, Jornal do Brasil de 24/04/02)


terça-feira, 3 de maio de 2016

SOS Ilha Grande


          Diante da depredação ambiental, tolerada pelos nossos governantes em busca do voto irresponsável, é surpreendente que a menos de duzentos quilômetros das duas maiores cidades brasileiras, Rio de Janeiro e São Paulo, sobreviva um paraíso da natureza que é a Ilha Grande.  Esta ilha conheceu o ciclo da cana-de-açúcar, do café e sediou mais de vinte indústrias de processamento de sardinhasDurante cem anos abrigou instituições carcerárias, até que em 1994 o Presídio de Dois Rios foi desativado e em seu lugar foi criado um centro de pesquisas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).  Paradoxalmente a existência do presídio foi um fator de preservação desta ilha, com o esvaziamento das atividades econômicas e o afastamento da especulação imobiliáriaHoje a Ilha Grande tem 90% de sua área coberta de florestas, sendo que aproximadamente 30% são primárias e o restante secundárias, com estados de regeneração variáveis
          Com a desativação de grandes fazendas e indústrias, os caiçaras – uma mistura étnica entre portugueses, índios e negros – continuaram as suas culturas de subsistência, onde faziam a rotatividade da terra e suas atividades pesqueiras.  É interessante observar que mesmo nas matas secundárias, ainda podemos observar antigas figueiras da vegetação primária, pois estas árvores nunca eram abatidas pelos caiçaras por serem consideradas sagradas.  No Saco do Céu, bem a beira mar, tem um belo exemplar de uma destas árvores centenárias. 
          A par de suas florestas, a Ilha Grande possui um fabuloso patrimônio marítimo, com praias voltadas para o alto mar menos habitadas e mais preservadas, que de maio a setembro, no chamado inverno, o mar é muito violento, dificultando o acesso marítimo.  As praias voltadas para o continente são mais povoadas, mas mesmo assim razoavelmente conservadas.  O grau de pureza das águas de algumas praias pode ser constatado pela pujança da vida marinha, como estrelas do mar e tartarugas que podem ser vistas em quantidade no Saco do Céu e na praia de Manguariqueçaba.  Outro grande espetáculo pode ser visto em um passeio noturno de barco pela Enseada das Estrelas onde, nas noites escuras, todo o trajeto do barco fica iluminado e os peixes brilham, devido ao fenômeno conhecido como ardentia – com a agitação mecânica da água, dissolvemos oxigênio e os plânctons emitem luz em um processo físico de fosforescência
          Mas a Ilha Grande não é naturezaEm suas praias temos o registro de povos que aqui viveram há mais de 3.000 anos e afiavam as suas facas e machados de pedra nas rochas, em verdadeiras oficinas líticas.  Estes amoladores-polidores estão espalhados por diversos rochedos, sob a forma de sulcos, testemunhando as atividades pesqueiras destes antepassados
          Este patrimônio natural e cultural está, do ponto de vista formal, bem protegidoToda a Ilha Grande faz parte de uma Área de Proteção Ambiental que está dividida em reservas específicas como: Parque Estadual da Ilha Grande, Parque Estadual Marinho do Aventureiro e Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul.  A ilha é bem servida de serviços públicos, tendo um bom posto de saúde, serviços de defesa civil, posto policial, batalhão florestal e fiscalização marítima da capitania dos portosMas em um país em que a cultura e a ciência são desprezadas e atividade cultural é posar para fotos em estréias no Canecão, devemos estar ultra-atentos, ainda mais com esta história de eleger a Ilha Grande como uma das maravilhas do Rio
          A maior ameaça à Ilha Grande é a especulação imobiliária e a superpopulaçãoNos meses de verão podemos ver nas praias do Abraão e Abraãozinho, o óleo que vaza das embarcações e a gordura do esgoto que se infiltra pela areia e acaba no mar.  É fundamental uma maior fiscalização nos motores dos barcos, estabelecer uma ocupação máxima para a ilha, com um limite das construções horizontais ou verticais.  É necessário também ter um sistema de tratamento de esgotos, que alguns rios ficam totalmente poluídos com o excessivo uso das fossas sanitárias, transformando belíssimas praias em cloacas fétidas. 
          Com o aumento do turismo e dos lucros, muitos moradores nativos vendem as suas pequenas casas e abrigos de pesca, em geral erguidas sobre a areia da praia, para construção de pousadas que avançam sobre o mar, com aterros e pilastras de concreto sobre as pedras.  Na praia do Abraãozinho podemos observar um destes atentados, onde a praia foi aterrada e uma das pedras com as marcas dos amoladores-polidores de mais de 3.000 anos bem danificada.  Isto é mostrado nas figuras abaixo.  Na figura 1 mostramos este fato, com a histórica pedra em primeiro plano e na figura 2 detalhes desta oficina lítica, com os sulcos onde foram amolados e polidos machados e facas de pedra
          Esperamos que estas palavras, de alguma maneira, alertem os brasileiros interessados não em nosso meio ambiente como em nossa cultura, bem como cheguem aos pesquisadores que fizeram os estudos originais sobre os primeiros indícios de presença humana na Ilha GrandeAssim como os sulcos nas pedras foram interpretados, pode ser que alguém salve estas verdadeiras mensagens escritas na pedrapelo menos 3.000 anos.


Figura 1 – Atentado ao passado histórico brasileiro na praia do Abraãozinho.


Figura 2 – Detalhes dos sulcos onde eram amolados machados e facas de pedra pelos primitivos habitantes da Ilha Grande.

Leituras sugeridas: Pré-História da Terra Brasilis, Org. Maria Cristina Tenório – Ed. UFRJ, 1999; Ilha Grande: Do Sambaqui ao Turismo, Org. Rosane Manhães Prado – EdUERJ, 2006.

Publicado no Montbläat.
Rio de Janeiro, 22 de agosto de 2007.
Teócrito Abritta




segunda-feira, 2 de maio de 2016

O Personagem Típico


          Fica a meio caminho entre Paraty e Ubatuba.  Pequena e sinuosa estradinha abandona a Rio Santos e vai descendo a Serra do Mar.  Em poucos minutos um frio no coração com o cenário luminoso do Rio Picinguaba abraçando o azul oceânico.  Das alturas, esticamos os olhos tentando alcançar toda extensão da Praia da Fazenda do outro lado do rio. 
          Logo entramos na Vila.  Apenas percorremos uns cem metros de carro ao longo da praia.  Depois só caminhadas.  Trilhas, cachoeiras, muitas ilhas e areias sem fim.  Assim é Picinguaba, um dos núcleos do Parque Estadual da Serra do Mar – verdadeiro paraíso preservado, com mais de quarenta mil hectares de matas, praias e o mar com suas ilhas: das Couves, Comprida, Ilhote, da Pesca, Rapada, Selinha. 
          O nome Picinguaba vem do Tupi-Guarani, significando refúgio de peixes.  A vila é habitada desde o século dezenove e tombada há quase trinta anos, de modo que não chegou a ser destruída pela especulação imobiliária. 
          Anoitece.  A paisagem iluminada por miríades de vagalumes.  Delicio-me comendo vieiras cruas – apenas gotas de limão – no Picimbar, simpático barzinho de um alemão que por aqui ficou. 
Até a década de trinta, a região foi um importante ponto da pesca de sardinha.  Hoje elas sumiram, mas graças à Universidade Federal de Santa Catarina, agora é um grande polo de fazendas de criação de vieiras e mariscos. 

Por aqui todos se orgulham de sua origem caiçara, mas pouco sabem de seu passado.  São jovens pescadores globalizados: bermudas e camisas coloridas, sandálias havaianas, óculos escuros, bonés de rappers.  Navegam em modernos barcos de alumínio e possantes motores.  Entretanto demonstram grande carinho pelas dezenas de canoas coloridas que repousam majestosas pelas praias.  
“Esta vem dos tempos do meu avô”.  “Meu pai pescava com ela, mas prefiro o barco de alumínio – mais leve” (V. figuras 1 e 2). 
          Quando, pela última vez, grossos troncos de guapurubu, ingá e ingá-siriúba foram arrastados para a praia e escavados lentamente com enxó?  Será que num passado distante chegaram a ser escavadas com ferramentas de pedra, como mostram os amoladores-polidores encontrados nas praias de Santa Catarina, Ilha Grande e Arraial do Cabo no Rio?  Há uns três mil anos o Homem já fazia suas ferramentas graníticas, picotando rochas de modo a formar reentrâncias para depois com areia e água doce polir em forma de cuias ou frisos.  Estas eram as oficinas líticas onde machados, facas e gumes eram feitos: os amoladores-polidores que procurava por aqui. 
          Quem poderia me informar?  Onde estavam aqueles personagens típicos?  Onde estava aquela velha parteira, a professora aposentada, o intelectual local sempre declamando poemas?  E o escritor que por aqui se refugiava dos grandes centros urbanos? 
          Tempos de verão.  Muitos visitantes e movimento.  Os personagens típicos preferiram migrar, desaparecendo ou dissolvendo-se naquele ir e vir de pessoas. 


Figura 1 – Redes e apetrechos de pesca.
Picinguaba, Ubatuba-São Paulo.  Foto T.Abritta, 2012.


Figura 2 – Praia de Picinguaba.  Ubatuba, São Paulo.  Foto T.Abritta, 2012.

          Dia de partir.  Última visão da praia, da vila, da Pedra do Cabo – enorme bloco granítico, repousando nas areias, lambido por um curso de água doce que descia das matas.  Local ideal para uma oficina lítica (V. figura 3). 


Figura 3 – Praia de Picinguaba, Pedra do Cabo. 
Ubatuba, São Paulo.  Foto T.Abritta, 2012.

          Quem seria aquela figura sentada na sombra, tomando cerveja enquanto olhava o mar?  Aproximei-me.  Perguntei, mas apenas respondeu:
          “Marcas, não sei.  Mas de noite é um tal de casais que se esfregam nestas rochas...”
          Diante do meu olhar, misto de decepção e indignação, apenas declamou com sua voz rouca:

“Ai como sofre o corpo que se esfrega
 no corpo que se entrega e não se entrega

 é como a convulsão da preamar
 a querer atirar o mar no ar

 a onda rija bate como espada
 nos musgos da mulher ensolarada.”

          Um olhar mais atento mostrou, no refluxo das ondas, as marcas na pequena rocha à esquerda quase enterrada nas areias: muitos frisos curtos e pouco profundos (V. figura 4). 
Fechei os olhos e imaginei o nível das águas mais baixo, grupos trabalhando na praia – uns polindo machados e enxós de pedra, outros encavando troncos que tomavam forma de canoas. 


Figura 4 – Praia de Picinguaba.  Pedra do Cabo (detalhe mostrando a oficina lítica).  Ubatuba, São Paulo.  Foto T.Abritta, 2012.

          E o Personagem Típico voltou, deixando suas marcas na nossa história. 

Notas:
-Intertexto de fragmento do poema Balada de Amor na Praia, Paulo Mendes Campos. 
Publicado em Encontros com a Civilização Brasileira 4, de outubro de 1978.
-Conto publicado em “Os Meus Papéis”, 2013. Livro premiado na categoria crônica, em 2014, pela UBE-RJ.







domingo, 1 de maio de 2016

Eu, Nihil

          Sempre que me identifico é este horror.  Tira qualquer prazer em viajar.  Nos aeroportos é sempre assim.  Um país de analfabetos.  Era para ser Nilo Batista, acabei registrado Nihil, um nada.  Cartório de incompetências.  Estou condenado a viver neste mundo detestável, carregando o ridículo. 
          Enquanto aguardo o embarque, abro o jornal e fico mais deprimido ainda com o artigo de um geógrafo ambientalista:

          “Em minhas andanças pelo Brasil presenciei toda sorte de desvios ambientais praticados pelas populações: caça e pesca ilegais, incêndios criminosos de florestas e pastagens; uso indevido de defensivos agrícolas, destruição de encostas, matas ciliares e poluição das águas.  Mas o que mais me chocou foi a matança das inocentes e poéticas arribaçãs no Nordeste e de preguiças e outros pequenos animais durante a pororoca na Amazônia.
          As arribaçãs (Zenaida auriculata), também conhecidas como avoante, pomba do sertão ou de bando, distribuem-se geograficamente das Antilhas a Terra do Fogo, conforme a época do ano, dentro do seu ciclo migratório.  Em certos meses formam bandos compactos no Nordeste brasileiro, tendo representado, no passado, uma importante fonte de alimentação dos sertanejos nas secas mais severas.  Infelizmente hoje é considerada uma iguaria preparada com arroz e feijão, sendo muito apreciada pelos caminhoneiros que por trafegam.  Para responder a esta demanda perversa, as avoantes são mortas em massa usando-se ração misturada com agrotóxicos em alta concentração, o que resulta em campos cobertos de aves mortas.  Podemos dizer que estes criminosos chegaram ao máximo em seu poder de morte.  Matam a Natureza e envenenam o homem de imediato!
          Durante as pororocas, quando as águas do oceano, com a subida das marés, invadem a foz do rio Amazonas, os animais se refugiam nas pequenas ilhas e vegetação mais alta, esperando, indefesos, a descida das águas.  Os ribeirinhos pegam estes animais praticamente com as mãos para complementar a sua alimentaçãoCom o desenvolvimento do turismo e comércio esta antiga prática virou uma matança e logo após a passagem da pororoca, canoeiros saem matando a pauladas e recolhendo para salgar e comerciar a nossa sofrida fauna silvestre amazônica, fazendo pilhas com mais de metro da Natureza morta.  Devemos rever a nossa legislação, pois abusos como estes são tolerados em nome de um falso estado de necessidade ou fome extrema o que não se aplica nestes casos.
          Portanto a defesa da Natureza tem que ser vinculada a um sério programa de desenvolvimento, educação, combate ao populismo e corrupção, caso contrário teremos que assistir eternamente os favelados de Brasília caçando animais no Jardim Zoológico desta reluzente capital federal!”

          Atiro o jornal no lixo.  No fundo, tento não ver esta realidade.  Mundo deplorável que me aprisiona.  Eu, Nihil: o nada. 
Olho a jovem ao lado, entretida com sua maquininha luminosa que solta sons e estalos estranhos.  Pelos vidros do aeroporto, vejo lindo céu azul cortado por belas nuvens alongadas, perfeitamente planas em suas bases. 
          Gostaria de explicar à jovem ao lado que isto acontece, porque a pressão atmosférica e a temperatura do ar dependem da altitude.  Abaixo das bases das nuvens, o vapor de água condensa-se.  As condições físicas não permitem a formação de nuvens até aquela altura.  Mas não falarei.  Ela iria responder: “o quê que eu tenho com isto?”
          Entro e sento-me ao junto à janela do avião.  Na poltrona ao lado, a tal da jovem com a maquininha estalante. 
          O sol estava alto e, como hipnotizado, ia seguindo a sombra do avião nas nuvens.  Uma auréola colorida emoldurava a imagem (ver Foto 1).




Figura 1 – Sombra nas nuvens.  Foto T. Abritta.

           Lembrei-me que este fenômeno foi registrado pela primeira vez por Benvenuto Cellini, no século dezesseis, ao observar do alto de uma montanha sua sombra rodeada por colorida auréola.  Sentiu-se iluminado, atribuindo à luminosidade o reflexo de sua genialidade artística. 
          Poderia explicar à jovem ao lado que a auréola era devido à refração da luz nas gotículas...  Mas não explicarei.  Ela falaria: “o quê que eu tenho com isto?” 
          Passei a me divertir fotografando as hélices do avião que pareciam paradas (ver Figura 2).  Poderia explicar para a jovem ao lado que mesmo girando em alta rotação, existe uma sintonia com a velocidade de varredura da máquina fotográfica digital que atua como um estroboscópio.  Mas ela simplesmente falaria: “o quê que eu tenho com isto?” 



Figura 2 – Hélices de um avião.  Foto T.Abritta.

          Estranho.  Não consigo mais “parar” as hélices.  A velocidade de rotação está variando.  Diminuindo.  O motor do avião, parado.  Estamos caindo.  Gostaria de explicar à jovem ao lado...
          Agora, o nada me impedirá – auréola de anjos da morte.