Botswana, Foto T.Abritta, 2008

sábado, 23 de janeiro de 2016

O Azul do Firmamento


O Azul do Firmamento.  Corumbau, Bahia. Foto T.Abritta, 2010.


          Paisagem esplendorosa.  O mar, montanhas, o verde flamejante.  Areias infinitas.  Capturar fotograficamente o cenário parecia fácil.  Mas como criar um diferencial de modo que a paisagem tivesse uma singularidade – ponto focal de interesse?
          Pensei numa composição colocando em primeiro plano uns garotos cavando as areias para pegar tatuís.
          Isto seria interessante – o pequeno crustáceo desapareceu da maioria de nossas praias.  Registraria a “sobrevivência” ambiental destas areias.

          Não sei se foi real, sonho, imaginação.  Ou talvez alucinação.
          Efeitos do intenso sol de verão.

          Parecia uma musa a mulher que caminhava toda charmosa na minha direção.  Vestia uma bata branca, segurava a aba do chapéu de palha com a mão direita, de modo a cobrir o rosto, apenas visível o vermelho dos lábios.  O sinuoso movimento do caminhar se refletia em sua sombra, em diagonal, formando um “V” tal o bater de asas de enigmático cisne, metade branco, metade preto.

          Não sei se foi real, sonho, imaginação.  Ou talvez alucinação.
          Efeitos do intenso sol de verão.

          O meu ponto focal para a foto!

          Abri a lente de modo a focar na minha modelo, sem perder a nitidez nos outros elementos da imagem.  Cliquei uma série no modo de disparo contínuo, até ela passar por mim, silenciosa, macia, como algo que flutua.
          Virei-me discretamente, acompanhando a outra face daquele caminhar, a bata esvoaçando ao vento, curvas insinuando, sinuosamente, sensualmente, o corpo imaginário.
          Foi sumindo, sumindo, rasgando o azul do firmamento, deixando um perfume de carne nua...


          Escolhi a foto em que ela estava no meio de um passo, o pé esquerdo no ar, sua sombra projetada na areia.  O braço esquerdo em gracioso movimento, como se fosse voar e o par de belas pernas a movimentar.

          Ah, a técnica: alinhei o horizonte de modo a equilibrar a imagem e dei uns cortes nas laterais, sumindo com elementos distracting – incrível, ate hoje não encontrei em Português uma palavra que tão bem traduza esta ideia.  Particularidades das línguas.
          E assim uma bela foto.  A modelo em primeiro plano, emoldurada pela paisagem e pelos meninos pegando tatuís.
          A beleza humana em plena natureza intocada.  Uma imagem conceitual.


          Mas nada disto aconteceu.  Eu não estava lá, não tirei foto nenhuma, nem sei as razões e motivações de quem capturou a imagem!
          Fotografia é como um poema. Depois de escrito pertence ao leitor-espectador que cria mil e uma interpretações. Assim, uma imagem diz o que vemos – na imaginação, ou no frio recorte formado por cores e formas.
          Tal um poema, também reflete a poesia de imagens imateriais, seus não ditos a serem decodificados pelo Observador.
          Em Cores...

          Ou... no delicado Sépia da nostalgia!

Vi você no Facebook



Suas palavras reluziam
os poemas conhecia
o cerne me seduzia.

Se a alma fosse imortal
seria seu amante ancestral.

Em sonhos de imaginação
espiei pelo buraco de sua fechadura
virtual.

Admirei-lhe as pernas
alisei seus longos
longos negros cabelos.

Mas não quero.
Não quero mais ser
um amigo virtual.

Não quero apenas
seu lado intelectual.
Quero o plural.

Não quero as cores de um avatar.
Quero o brilho ou as pausas
de seu olhar.
Sentir o quente doce arfar.

Quero ser o lobo mau
sentir o corporal
amoral sensual.

Não quero o verso que se quebrou.
Quero o anel que não me deste.

Não quero o pecado venial.
Quero o pecado capital.

                    Não fuja da raia.
                    Não quero rackear sua página.
                    Quero é invadir a sua praia!


Escultura em cimento, Eleonora Soledade – Visconde de Mauá, RJ.  
Acervo Teócrito Abritta.

Publicado em Antologia Verso Testemunho Prosa , Oficina do Livro - 2015.



sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Sinto que alguma coisa



...se desmancha em mim
não é o pensamento
nem a alma
menos ainda vontade de lutar

músculos se desfazem
ossos despencam
mas a cabeça cortada
insiste em pensar

parte de mim luta contra o todo
tal lascas do inconsciente
invadindo a mente

garganta que falha
diafragma que para
pernas que não sustentam

voz que não sai
pulmão que não respira
corpo que não anda.

Curto circuito imunológico
metamorfose animal.

Posso vagar pela escuridão
apenas o olfato a me guiar

uivar como lobo
saudar o luar

sentir o mato fresco
o perfume das damas-da-noite.

Polimiosite autoimune
pneumotórax fatal.

Novas habilidades
retorno à Natureza.

(animal)

Publicado em Poesia Viva 9, 2015.


quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Notícia de Jornal: oitavo capítulo de Jequitinhonha.

Aqui temos o último capítulo já escrito de Jequitinhonha. Aguardem os próximos!


Pomenade. Av. Rio Branco, Rio de Janeiro, anos 50.

          Depois que vim morar em São Paulo descobri muitas vantagens.  No Arraial, jamais poderia ficar sentado em um bar, lendo jornal e tomando café.  Bastava entrar na vendinha e logo vinha alguém prosear. 
          Mas aqui, quando chega aquele General, tudo muda.  Assim que aparece um incauto, começa a contar suas mentirosas histórias de guerra e heroísmo. 
          Todos sabem que suas inexistentes batalhas ocorreram no cenário do cais do porto no Rio, embarcando jovens, às vezes sob mira de pistolas, para morrer nas distantes terras italianas durante a Segunda Guerra Mundial. 
          E lá prosseguia o bestalhão contando vantagens:

          É tudo uma questão de relação entre a flecha e o alcance.  No canhão, por exemplo, temos a menor flecha e o maior alcance.  Com o morteiro é ao contrário, já que atingimos o inimigo logo na frente da tropa.  Com o obus, atiramos por cima de nossas linhas.  A artilharia está atrás e o inimigo na frente.  O artilheiro moderno tem que conhecer muita trigonometria...

          Mas hoje foi diferente.  Entrou um rapaz meio estabanado, esbarrou na mesa do herói de araque, derramou sua cerveja e falou:

Pô, General, isto hoje não serve pra nada.  Agora é tudo míssil.  Basta apertar um botão e explode tudo.

          Não pude conter uma sonora e vingativa gargalhada, não resistindo também perguntar sobre a Interbrás e aquela história de dez por cento (1).

          Como são as coisas.  O incidente trouxe à tona da memória aquele dia em que comentávamos as notícias de jornal sobre a guerra e os depoimentos de nossos heróis.  Seu Anízio ia lendo, e cada feito comemorado com generosos goles de cachaça:

          A artilharia antiaérea, normalmente, fica em lugares mais altos como torres de igrejas e castelos.  Assim o jeito era voar bem baixo, aparando grama, como chamávamos. 
Nos ataques, quando a gente via o clarão, já identificávamos o tipo de boca de fogo, contando os segundos para o projétil chegar.  Um, dois, três... e aí cada avião dava uma guinada para o lado.  Depois mergulhávamos despejando as bombas e cada piloto recuperava para a esquerda ou direita.  Dava um nó na garganta quando uma aeronave não retornava...

          Antes de Seu Anízio ler o próximo depoimento, todos entornavam mais uma talagada de cachaça em homenagem ao piloto Moreira Lima (2) por sua luta contra os fascistas.
          E as notícias continuavam, agora com as operações terrestres:

          Minha patrulha foi toda morta e eu seguia, com fome e sem munição, tentando regressar para nossas linhas.  Do nada surgiu aquele abestalhado, tentando me matar com um sabre.  Tentei falar, mas não adiantou.  Briga de faca com paraibano?  Com muito dó, espetei o alemão na barriga, sentindo o sangue quente correndo pela mão.  Cortei uma de suas orelhas, salguei e guardei nesta caixa de fósforos.  Não foi por maldade não.  Foi pra lembrar que guerra é isto.  Onde já se viu matar um rapaz que eu nem conhecia?

          Mas a notícia mais importante estava num cantinho do jornal:

“Após dois meses de buscas, já considerado desaparecido em combate, foi localizado em um hospital de campanha americano o pracinha José Lourenço.  O brasileiro foi condecorado por bravura ao destruir o tanque inimigo que atacava seu pelotão.  Na luta teve o crânio praticamente esmagado.  Parte do osso parietal foi substituída por uma placa de platina...”

          Foi um corre-corre preparando a festa de recepção para nosso herói.  Afinal, depois de ter o pai, o irmão mais velho e um tio assassinados, isto provava que o destino pode ser mudado pela força da vida. 
          Enquanto isto, pensava em Pedro Severino, na sua vida de brigas e confusões.  Teve o topo da cabeça esfacelado por foiçadas.  Pacientemente lavei os ferimentos com soro fisiológico, tirei pedaços de ossos, pele e cabelos com uma pinça.  Se tivesse, colocaria uma placa de platina.  Mas apenas suturei os fiapos do couro cabeludo e o rapaz está vivo, sempre usando um chapéu protetor. 
Duas cabeças, dois destinos: um heroico, outro inútil. 

          A estação lotada.  Escolares perfilados, banda de música, o coral infantil, autoridades, populares, todos ansiosos. 
          Uma dor cortou nossos corações.  O apito do trem soava rouco tal lamento.  Nosso herói não desembarcou. 
          Mas as notícias chegaram.  Não pelos jornais.  Vieram pelo martelar do telégrafo:

ENCONTRADO COM O CRÂNIO ESFACELADO JUNTO A UMA PILHA DE DORMENTES NOS FUNDOS DA ESTAÇÃO DE TREM DE FERRO DESTA CAPITAL O CORPO DO PRACINHA JOSÉ LOURENÇO PT
A POLÍCIA CONCLUIU TER SIDO ASSASSSINADO POR MOTIVO TORPE PARA RETIRADA DE UMA PLACA DE PLATINA QUE PROTEGIA SUA ÁREA CEREBRAL PT

          Um silêncio profundo e triste abateu-se sobre o Arraial. 
No canto da estação, o olhar apalermado de Pedro Severino.

Notas:
1. Em 1976 foi criada a estatal Petrobrás Comércio Internacional (Interbrás), a  pretexto de incentivar exportações.  Na verdade era um cabide de empregos para amigos do poder, que lucravam com extorsões para liberação de guias de exportação. 

2. Referência ao Major-Brigadeiro Rui Moreira Lima, herói da Segunda Guerra Mundial.  Este militar foi posteriormente preso pelos golpistas de 1964 por defender mais uma vez a Democracia.

Aparições Recorrentes: sétimo capítulo de Jequitinhonha.


Se na semana passada foram as assombrações rurais, hoje foi dia das assombrações urbanas.  E que dia!  Não envolveu apenas a pequena família de Seu Gonzaguinha.  Centenas de pessoas correndo por ruas e becos, sempre perseguidas pelo morto-vivo.  Um verdadeiro deus-nos-acuda.  Ainda escreverei um tratado sobre o sobrenatural. 
Muitos tentam desacreditar os fatos, afirmando serem frutos do medo, ignorância, ou mesmo turvação da mente pelo álcool. 
Mas nestes becos e ladeiras escuras, sempre escutamos histórias de arrepiar os cabelos.  Afinal a antiguidade sempre guarda um passado de morte, sofrimento e injustiças, que o tempo não consegue apagar. 
Em Minas é comum encontrarmos majestosas igrejas em meio a pequenos povoados.  Uns dizem que o fausto e a riqueza dos templos seriam para apequenar o homem diante do poder divino.  Para outros, estas igrejas protegem a população, afugentando os espíritos malignos das montanhas.  E não vamos dizer que são apenas histórias de gente boba.  No Rio de Janeiro, antiga cidade colonial, imperial e capital nacional, ainda podemos ver um velho oratório do século dezoito nos fundos da Igreja do Carmo.  Estes oratórios ficavam permanentemente iluminados, não só mostrando a devoção dos fiéis, como espantando seres diabólicos que vagavam pelas noites das ruas escuras.
O jeito é aprendermos a conviver com as crenças e histórias que fazem parte de nossa cultura. 
Por exemplo, aqui próximo tem um lugarejo que nunca conseguiu progredir.  O povo sempre pobre e amarelado, crianças barrigudas, cheias de vermes.  A explicação vem de uma praga rogada justamente por aquele que deveria cuidar de vidas e almas.  Contam os idosos que Seu Neco, avô de Seu Antão, bisavô do Prefeito, bateu em um padre por motivos ignorados.  Seu Neco foi à igreja com um relho e avisou ao padre que veio para dar-lhe uma coça.  O religioso pediu para tirar a batina, mas escutou: Não.  Padre sem batina não é padre.  Dizem que o sacerdote rogou uma praga e Seu Neco morreu assassinado a tiros, tantos balaços quanto as lambadas que deu.  A praga foi tão forte, que daí para a frente os moradores do local só conheceram a pobreza. 

E o que dizem nossos valentes tropeiros que cortam estes sertões como oceanos sem fim? 
          Assombração?  Não adianta correr nem dar tiros.  Pra enfrentar tem que ter manha.  Falar as palavras de esconjuro, atravessar uma faca de aço na boca e morder a lâmina firme com os dentes.  Isto dá coragem, dá força na luta.

Já vendo o fundo da garrafa, vou me recolher mais cedo.  Enquanto durmo, escutem a história contada por aí, nas vendas e rodinhas reunidas pelas esquinas.  Mas por favor, não acreditem que dei o braço ao morto-vivo acompanhando-o de volta ao caixão!

Foi uma bela despedida.  Reunia a pompa de um velório de rico com a alegria, digo, tristeza, dos pobres.  O chefe da estação do trem de ferro fez um emocionado discurso, acompanhado de todos os ferroviários que trajavam seus uniformes de gala. 
O velório foi no saguão da estação que ficou lotada.  Pudera, quase quarenta anos naquele guichê. 
O Prefeito já falava há exatamente uma hora, quinze minutos e dez segundos e ainda nem tinha entrado na biografia do falecido. 
Todos perceberam que havia algo errado quando um funcionário cochichou nos ouvidos do Prefeito, que ficou mudo e sem cor.
Alguns afirmam terem visto o bilheteiro contraindo o rosto em sinal de descontentamento.
Ah... por aqui este não se elege mais.  Onde se viu contrariar um cidadão tão querido, justamente no dia de seu velório?
As autoridades e representantes da sociedade ficavam próximos do caixão.  A raia miúda pelos cantos e, um pouco afastadas, quase lá fora, Dona Mariazinha do Cajá com suas meninas do Beco do Mota.  Respeito era bom. 
Dona Berenice puxou um terço.  Dona Wanda mandou servir uma limonada.  Dona Maria Amélia regeu o coro das crianças.
Todos choraram.  Vozes infantis cantando têm um quê de tristeza.  Seriam as contradições entre a pureza e as incertezas do futuro?  Pode ser...
Lá pelas onze horas da noite, quando as autoridades e nobres representantes da sociedade já haviam se retirado, foi servida uma boa pinga.  Isto que é solidariedade humana!  Um simples bilheteiro sendo homenageado pelos fazendeiros da região com suas melhores cachaças, saídas dos alambiques para esta ocasião.
Tirando um soluço ou lágrima retardatária, o velório virou verdadeira festança, como reza a tradição popular. 
Seu Zéquinha da Viola dedilhou umas notas e começou animada cantoria.
E o forra-bucho?  Linguiça frita, torresmo crocante e até costeletas, pés e orelhas de porco. 
Todos bêbados, basta um começar a chorar e lágrimas são derramadas por todos, até dormirem pelo cansaço, ou talvez pelo álcool. 
No meio daquela roncaria toda, chegaram uns garimpeiros para a última homenagem ao nosso bilheteiro.  Sucesso no garimpo, lucro para as meninas do Beco.  Os “negócios” acabaram sendo feitos ali mesmo, atrás dos vagões do noturno que havia chegado no início da noite.

A culpa foi dessa pouca vergonha.  Logo que o dia raiou, o bilheteiro, indignado com a quebra protocolar, levantou do caixão, resolvendo ir por conta própria para o cemitério.
Se não fosse o Doutor Carlos, nem sei como acabava esta história toda. 
Será que ia adiantar a água benta do Padre Chico?


          Pela manhã tudo já havia voltada ao normal.  Meninos jogando pião, meninas pulando amarelinha. 
Passei pela estação e lá estava o bilheteiro em seu guichê como se nada tivesse acontecido. 
Gaguejei um “bom dia” e saí cambaleante. 
Belisquei o braço pra ter certeza não ser eu a tal assombração...

Dia de Assombração: sexto capítulo de Jequitinhonha.

Diamantina, MG. Foto T.Abritta, !965.

O Delegado coçou a cabeça, cofiou o bigode e achou que o caso de Seu Gonzaguinha não era assunto para polícia; aconselhou que procurasse o Padre.  Este, depois de pedir conselho à Virgem Maria, resolveu socorrer-se com o Médico.  Afinal, poderia até entender do sobrenatural.  Já alma penada matada, isto era outra coisa.
E assim fomos, eu e o Padre Chico, investigar o ocorrido.

          No caminho, Seu Gonzaguinha ia narrando os fatos:

          Moro perto de Biribiri.  Uma meia légua antes é só sair da estradinha e pegar um trilho à esquerda.  Passa um brejo, passa a serra e mais um pouco já dá pra avistar minhas terrinhas.  De noite, Deus me livre passar por aqui!  Vindo dos lados da serra, escutamos as cantorias dos escravos mortos nas minerações...

“Me desculpe, mas até aí morreu Neves.  Até hoje o povo ainda canta estes Vissungos do tempo da escravidão.  Das minhas andanças, tratando e vacinando este povo em minerações, até conheço alguns.”

Aiô!... T’Angananzambê, aiô!...
Aiô!... T’Angananzambê, aiô!...
Ê calunga qui tom’ossemá,
Ê calunga qui tom’Anzambi, aiô!...

Eu memo é capicovite
eu memo é cariocanga
eu memo é candandumba serena.

          “Não dá pra entender nada, já que misturam palavras de línguas africanas com o português.  Ainda por cima, tudo falado pela metade.  Apenas a entonação e ritmo é que dão o sentido: se é música de tristeza, saudação, revolta ou homenagem a defunto.”
          “Há uns dez anos esteve por aqui um estudioso registrando estas cantorias.  Seu nome, segundo o Doutor Ataíde, é Aires da Mata Machado Filho.”
“Bem, vamos voltar às assombrações.”

          ... quer dizer que, como eu ia contando, assombrações ficam bem longe, lá pros lados da serra.  Mas esta noite foi diferente.
          Um vento zumbindo, parecia que ia levar o telhado.  Portas e janelas rangendo.  Lá fora, gritos pavorosos, cachorros latindo.
          Pior quando começaram as batidas na janela do quarto.  Uns quatro toques misturados com rugidos, depois silêncio.  Falei com a mulher: “é o demônio que está lá fora!”
          Nos reunimos na cozinha, que fica nos fundos, e ficamos ajoelhados rezando, as crianças chorando.
          Alguma coisa tinha que ser feita!  Carreguei a espingarda três vezes, três descargas na janela.  E a “coisa” silenciou.
          Saímos pelos fundos, deixei a família em um sítio próximo, e aqui estou diante dos senhores.

          Com a primeira visão das terrinhas, Seu Gonzaguinha parou, eu e Padre Chico nos adiantamos mortos de curiosidade.
          Rodeamos a casa, mas nada assombroso foi encontrado.  Apenas a janela despedaçada pelo chumbo grosso, galhos cortados de uma roseira e o cheiro inebriante de botões de rosas espalhados pelo chão. 
          Com a ventania, provavelmente a roseira balançava, os botões batiam na janela, e a imaginação criava vozes e todo o cenário aterrorizador.
          Pelo sim pelo não, Padre Chico enterrou os botões de rosa – quem sabe não personificavam almas penadas? 
No final do “funeral”, tudo foi bento conforme a tradição.
          Restabelecido o reinado da paz divina, a família voltou para o lar, uma galinha foi morta e servido um irresistível guisado com farinha e muita cachaça.

          Retornamos pela noitinha. 
O céu prateado por um manto de estrelas.  O Carreiro-de-São-Tiago, como o povo chama a Via Láctea, brilhava como nunca.  O Cruzeiro do Sul, que a linda Sofia não quis fitar, como lhe pediu Rubião, eternamente orientando os viajantes.  Invisíveis ao olhar, estrelas duplas completavam o cenário. 
Nem sempre o real é o que vemos.  Seriam as assombrações de Seu Gonzaguinha menos reais do que estes astros misteriosos? 
          Quando Machado de Assis escreveu o conto Minueto – usando uma das mais belas metáforas “astronômicas”, ao comparar a alma da pobre Maria Regina, dividida entre dois amores, a uma estrela dupla, de cuja existência o autor tomara conhecimento através de publicações científicas da época –, não poderia ser acusado de estar vendo assombrações celestes?
          Noite propícia para reflexões.  O que seria a verdade?  O que seria o real?  Certamente não podemos confiar plenamente em nossa experiência subjetiva, ou mesmo objetiva.  A maior parte do mundo físico é imperceptível.  Muitas vezes vemos e sentimos coisas que não existem. 
          Portanto deixemos as assombrações de Seu Gonzaguinha vagarem nos rugidos dos ventos ou repousarem em singelos botões de rosa.


          E uma estrela cadente riscou a abóbada celeste.  

Ladrões e Assassinos: quinto capítulo de Jequitinhonha


Diamantina, MG.  Foto T.Abritta, 1965.

          Entramos no Arraial quase a galope.  Mas as notícias, como se trazidas pelo vento, já nos aguardavam.  Janelas entreabertas mostravam olhares apreensivos.  Garruchas e carabinas enferrujadas prontas para o combate.  Não parava de chegar gente com foices, porretes e facões.  Eu tinha que ser rápido.  Martelei o meu laudo na máquina de escrever: a vítima estava caída de bruços, provavelmente devido a uma pancada na omoplata direita com objeto contundente que a fraturou, como mostra a fotografia em anexo... O tiro, calibre 38, entrou pela nuca, fragmentando a coluna cervical, saindo pelo frontal, conforme mostrado nas fotos tais e tais...  Substituí as fotografias por desenhos, já que Seu Alcir ainda levaria uns dois dias para revelar e secar os negativos e ampliações.  Corri para a casa do Promotor e em poucos minutos o Juiz assinava o mandado de prisão preventiva.

          Ainda escuro, começamos os trabalhos naquela colina ventosa onde ficava o cemitério.  Apenas o ruído das pás e picaretas no solo pedregoso.  Seu Alcir, ao meu lado, tremia, não sei se de frio ou pavor.  Pudera, também nomear um fotógrafo de casamentos, festas infantis, bodas e batizados como perito ad hoc para fotografar defunto. 
          Como eu previa, pela composição química do solo, o cadáver ainda não estava decomposto totalmente.  Partes mumificadas, outras em lenta decomposição espalhando o cheiro da morte.  Providenciaram um estrado de tábuas para servir de mesa pericial.  Todos, com os rostos cobertos por panos molhados, trabalhávamos escavando, peneirando a terra para recolher fragmentos da bala e ossos.  Eu e Seu Alcir, curvados sobre os restos mortais.
          Esta era minha primeira exumação.  Por aqui, normalmente, quem morreu, morreu.  Enterrado, ficava para sempre.
          Mesmo acostumado com o sofrimento e sempre pensando na beleza da vida, sentia vontade de chorar com a evidência das maldades perpetradas contra Seu Onofre.  A me animar, apenas a lembrança das cantorias de Dona Cassandra clamando por Justiça.
          Com os primeiros raios de sol, o triste piado de um pássaro: u, u, u, uuuu...Seria a pomba-mineira? 

          Agora entendo o que considerava um desvio patológico, aquela mania do Promotor em perder tanto tempo escutando as histórias de João França e do Comandante Santos Lima:

          Eram tempos bons demais.  Saía com duzentas cabeças de gado e chegava ao mercado com quinhentas.  E quem ia reclamar?  Tinha um lugarejo onde o padre vivia pondo coisas na cabeça do povo.  Claro, era sempre contra mim.  Aí eu avisava: “vou passar em meio ao casario com quinhentas cabeças de gado xucro.  Se alguém abrir a janela, um cachorro latir ou mesmo uma criança chorar, o gado estoura e acaba com tudo”.

          E João França, ladrão aposentado, castigado com uma cegueira, dava gargalhadas, revirando as órbitas mortas pela maldade.

          Pior ainda eram as conversas com o Comandante Santos Lima – era assim que gostava de ser chamado.  Dizem que foi tenente da Marinha Mercante, expulso pela morte de um grumete numa situação obscura, vamos dizer assim:

          Quando eu era delegado... Onde?  Era lá, quase chegando na divisa com o Espírito Santo... Não tinha esta de valente comigo não.  Uma vez arrancamos as unhas de um desafeto do prefeito e rachamos sua cabeça com pauladas.  Tudo dentro da lei: na ocorrência foi registrado que o preso desesperado com a privação de sua liberdade subia pelas paredes cravando as unhas na alvenaria e depois pulava de cabeça contra o chão. 

          O promotor escutando sério, eu e Seu Anízio horrorizados, encolhidos num canto da venda.

          ...de outro acontecido, avisaram que os presos estavam cavando um túnel para fugir.  Peguei um facão e fiquei esperando na escuridão.  Assim que a primeira cabeça saiu do buraco, puxei pelos cabelos e decapitei o desgraçado.  Depois ainda avisei: “pode vir o próximo”.  Ficou uma pilha de cabeças de um lado e corpos decapitados do outro.  No relatório ficou registrado que após a fuga os condenados entraram em contenda, matando uns aos outros.
          Teve um infeliz que executei com um tiro na nuca.  Era um passante, que não sei por que, me deu implicância.  Como eu ia saber que era filho de gente graúda lá da capital?  O jeito foi fazer um relatório dizendo que foi morto numa briga por mulher ao atacar seu desafeto que, em legítima defesa, meteu-lhe um balaço na testa.  Afinal, bala que entra sai, e a que sai pode entrar.  É como aquela lição da escola: “no mundo nada se perde, tudo se transforma...”

          O rosto do Promotor contraiu-se todo – pensei até que ia ter um ataque de coração – e balbuciou: Seu Onofre... Saiu sem despedir de ninguém.
          Diante de nosso olhar, misto de nojo e desprezo, o Comandante Santos Lima foi embora meio ressabiado, sem entender o que estava acontecendo.

          Gostaria de ficar dormindo e sonhando eternamente.  Às cinco horas da manhã o moleque trouxe o cavalo selado e fomos todos, ao passo, pela estradinha do cemitério.  A determinação do grupo não afastava a tristeza. 
          Eu mantinha minhas forças pensando nos sonhos daquela noite.  Sonhei com o jovem Sherlock Holmes do livro Um Estudo em Vermelho – o aprendiz de detetive cursava diferentes Faculdades e não terminava nenhuma.  Da Medicina estudava Anatomia, da Química as substâncias venenosas, do Direito a legislação criminal e Medicina Legal, assim por diante.  Foi até expulso de um curso de Medicina por chicotear cadáveres em seus experimentos para estudos de lesões.  Lembrava até o Promotor e sua “mania” de ficar escutando as barbaridades daqueles monstros.

          A prisão foi rápida e eficiente.  Valtinho dormia, como sempre fazia após suas noitadas, no Beco do Mota, lá na casa de Dona Mariazinha do Cajá.  O Delegado, ar contrariado, meteu-lhe as algemas e foi levando o traste todo borrado e molhado.  No caminho, populares cuspiam no preso e no desmoralizado delegado.  Uns debochavam do Coronel e do Prefeito, que sumiram alegando estarar constipados.
          Da fazenda chegavam as notícias de que Seu Valter morreu de ataque cardíaco, dando tiros a esmo, tentando matar os empregados que sumiram após os acontecimentos.
          Com tanta alegria e cachaça nas comemorações, dia de trabalho para o Médico.  Hoje apenas um ferido a bala, duas facadas e uma cabeça para costurar.  Felizmente tudo sem gravidade.  Fatos tão rotineiros que não mereceram registro policial.  Pela manhã, passada a bebedeira, agressores e agredidos perdoando uns aos outros. 
          E a Vida continua.  De noite, o parto de Dona Clarinha.  Uma linda menina chamada Cassandra.




terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Cavalo Mineiro, Cavalo Matreiro: quarto capítulo de Jequitinhonha.


Diamantina, MG.  Foto T.Abritta, 1965

          Hoje foi um dia cheio.  Não aqui em São Paulo, onde pacientemente tento retomar o rumo desta narrativa.  Cheio foi lá na Cidade, onde três ocorridos provocaram tantas emoções e falatórios, mas, por outro lado, envolvendo supostos fatos de difícil comprovação.  Infelizmente não podemos fiar muito na boca deste povo.  Afinal, quem conta um conto acrescenta um ponto – transformam o que imaginam ter acontecido em realidade.
          Pensando bem, não é assim que funciona a Literatura?  Logo, juntando um disse aqui com outro ali; deixando alguns de lado ou pelo menos cortando pela metade, vamos à nossa história:

          Hoje amanheceu um pouco frio.  A garoinha caindo, ninguém pelas ruas.
          Entretanto, olhos invisíveis tudo viam, ouvidos mágicos escutavam através das paredes. 

          Chico Diabo subia vagarosamente a Rua do Amparo.  Dava uns passos, parava desconfiado, olhava para os lados e para trás.  Tirava o quepe e enxugava a testa com o antebraço, ensebando cada vez mais a túnica mal cheirosa.  Parou na frente da porta do Promotor, que abriu como se já o esperassem.  Entrou naquele escritório onde jamais pensaria estar.  Era como se uma ave de rapina, acostumada a grandes alturas, onde saboreava o sangue de suas vítimas, fosse obrigada a conviver ao rés do chão, vulnerável entre seres humanos.  Situação inusitada e humilhante para quem faz da morte seu meio de vida.
          De um lado da mesa o Promotor.  No outro, sentado em um tamborete de tiras de couro, o Cabo.  Suava frio, arrependido de não ter vindo armado.  Nem a garruchinha presa na perna.  Era como se estivesse nú:

Dizem que eu sou o Chico Diabo.  Mas, e este Promotor?  Mandar que me sentasse de costas para a janela é uma grande judiação que pode ser fatal para um matador.  Mas como pedir para mudar de lugar sem fazer desfeita?
A cada instante o Cabo coçava a nuca, como se esperasse um tiro de tocaia. 

          Seu Macrínio, assim que viu Chico Diabo sumir na porta do Promotor, apressou o passo, o que não mudava muito o seu vagaroso andar:

          Todo mundo me conhece, né?  Desde que quebrei a perna com o coice daquele cavalo xucro que estava ferrando, é uma penação andar nesta cidade ladeirosa.  Dou uns passinhos, paro aqui, depois ali e também acolá.  E assim vou por aí.  Juro que estava do outro lado da rua e escutei vozes:

“...com você a minha arma será apenas uma caneta!  Desta arma você não entende!”
Dona Orsina, que vinha descendo, pode confirmar tudinho:

          Escutei bem.  Estou meio esquecida, mas não sou surda:

“Doutor, não faz isso comigo não, estas coisas é tudo falatório deste povo.  Sou gente de bem.”

          E o Cabo Chico Diabo saiu de olhos arregalados, subiu pros lados da Estação de Trem de Ferro, entrou numa vendinha, ficou bebendo, bebendo e falando sozinho:

O Promotor disse que nem um balaço bem dado pode acabar com a caneta.  Foi covardia pura.  Só estive seis meses na escola.  Assinar o nome aprendi.  Mas este negócio de quatro operações e soletrar era para maricas.  Com dezesseis anos despachei o primeiro.  Segurar uma arma é mais fácil do que rabiscar com cotocos de lápis.  Bem que o Coronel avisou pra não dar conversa.  Era só esperar a ordem da tocaia. 

          Foi visto pela última vez lá pros lados do Vau.  Uns dizem que caiu no rio.  Outros escutaram medonhos gritos e uivos; um fedor de enxofre e viram um fogo saindo do chão.  O fato é que sumiu para sempre, deixando apenas assunto para comentar:

          O Doutor é mesmo como o povo fala: valente com armas e palavras.  Acabou com o gatilho assassino do Cabo Chico Diabo apenas com uma prosa.

E davam boas gargalhadas...

          Enfim um pouco de tranquilidade – hora de almoço.  Ruas vazias, uns descansavam, outros estudavam com as crianças.  Mas os gritos do moleque dando o recado quebraram a paz:

Seu Rocha avisou que vai matar o Coronel!

          O Promotor só teve tempo de vestir o paletó e pegar o chapéu.  O revólver, claro, nunca saía da cintura. 

          Agora, felizmente, temos Seu Rocha para relatar o ocorrido:

          Eram uns dez soldados e o desgraçado fumando, cara de deboche, esperando a minha reação.  Todos parados em frente da minha casa.  Em respeito pedi para avisarem ao Doutor.  Dava pra acabar com o Coronel e uns dois ou três meganhas.
          Ninguém havia falado comigo assim.  Cheguei a levar a mão na arma.  Só não fui adiante porque ele nem ligou e continuou a falar.  Assim combinamos de sair bem devagar, paletós abertos, armas à mostra – pessoas decentes não exibem revólveres em vão.  Pela ética, se mostrou, é para ir até o fim.
 O Promotor ficava encarando o Coronel.  Qualquer piscada tacava fogo.  Eu cuidaria da soldadesca.  Disto sei bem.  Nos primeiros tiros mandava dois ou três para o Inferno.  Se o resto não corresse, rolava pelo chão acabando com mais alguns.  Depois só Deus sabe.
          Foi igual à história da caneta:
O Coronel, pra não sair de fininho, fazia um sinal, e um soldado ia embora.  E assim outro e outro.  No final acendeu um cigarro e saiu devagarinho.  Ainda chegou a escutar as risadas do povo.

          Mas o dia ainda não terminara.  Novas Surpresas:

          Seu Rocha, Seu Rocha, Desatino partiu, a todo galope, lá pros lados da Praia da Sentinela!
          Não é lá que o Coronel gosta de ficar treinando tiro?
          Isto é questão de honra.
Vamos ter sangue frio e aguardar o desenlace!

          Depois de tantos sustos, um pouco de chacota, deboches e gargalhadas.
Não é que os dois chegaram juntos e ao passo?  Um, desmoralizado, o outro, cara séria, mas escondendo sorrisos!

          Eta caneta danada!  Falou Seu Abílio.  Eu estava procurando meu cabritinho fujão quando escutei o tiroteio.  Escondi-me numa touceira, abracei o bichinho e fiquei observando.  O Coronel descarregou diversas vezes num toco em cima daquela pedra perto do rio.  O Promotor chegou por trás dando apenas um único tiro.  O toco voou longe.  Depois falou:

“Assustado?  Vamos ver quem acertou?  O meu é trinta e dois, o seu trinta e oito.”
“Neste caso é melhor irmos embora juntos.  Tem uma onça rondando por aí.  Na verdade é uma jaguatirica – animal inofensivo.  Mas, com sua pontaria, é capaz de dar um tiro no pé.” 
Tive que fazer força para prender o riso!

          Tanto tempo, eu já velho, só agora me encantando com a magia da Literatura.  Sempre fui grande leitor.  Meus livros, todos sublinhados, cheios de observações nas margens e papeizinhos amarelados marcando as páginas consideradas importantes.  Isto muito me facilita.
          O difícil é me afastar desta objetividade da escrita técnica, onde tudo tem que ser fundamentado.  Deveria confiar mais no Relator Onisciente, não ficando tão preocupado com veracidade e verossimilhança dos depoimentos, ou melhor, das falas dos personagens.  Mas, por outro lado, não é tão mais fácil contar com as palavras destes amigos?

          Tais reflexões acabaram levando-me ao passado, às aulas de História da Medicina. 
          O curso tinha um extenso programa: Medicina Egípcia, Esculápio, Hipócrates, Galeno, William Harvey, Pasteur e muitos outros.  Mas o professor gostava mesmo é da História Clássica.  Assim que abria a História de Heródoto, começavam suas divagações e comparações com Tucídides, Píndaro, Políbios e outros Historiadores Clássicos. 
Heródoto fazia distinção entre o que ele viu e o que ele ouviu dizer.  Ou seja, informações não confirmadas.  Tucídides buscava o que seria a verdade histórica incontestável.
No fundo a Ciência Histórica nunca afirma clarear plenamente o mundo de sombras dos acontecimentos.  Felizmente existe a Literatura que chega à sua verdade, sem, entretanto, mentir e anular a busca dos Historiadores nos escuros labirintos do tempo.  Mas concordamos que tanto os Ficcionistas, como os Historiadores ou Cientistas – aí incluo Médicos como eu –, perseguem as palavras lapidares de Tucídides, deixadas em sua História da Guerra do Peloponeso:


          “... nunca tantas cidades foram capturadas e devastadas... nunca tanta gente foi exilada ou massacrada, nunca tantas cidades sofreram uma mudança total de habitantes... Quem quer que deseje ter uma ideia clara, tanto dos eventos ocorridos quanto daqueles que um dia voltarão a ocorrer em circunstâncias idênticas ou semelhantes..., julgará útil a minha História.”