Botswana, Foto T.Abritta, 2008

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O Tesouro Perdido de Robert Capa

Publicado no Montbläat em março de 2008

          Nestes tempos de violência, quando o fascismo parece triunfar, o aparecimento de um conjunto de negativos dos fotógrafos Robert Capa, Gerda Taro e David Seymour, tirados em 1936 durante a Guerra Civil Espanhola e desaparecidos desde a Segunda Guerra Mundial, atualizam não só a história da fotografia, como das lutas pelos ideais democráticos e socialistas tão desprezados em nossos dias.  Tal qual em um romance de suspense e mistério, vidas, mortes, encontros e desencontros marcaram a longa viagem deste material durante quase setenta anos, pela Europa, passando pelo México, para finalmente chegar, no final do ano passado, ao Centro Internacional de Fotografia de Nova York (http://www.icp.org/) fundado por Cornell, irmão do fotógrafo Robert Capa.  Até então eram conhecidas quinhentas imagens de Capa e agora se somaram a este acervo mais de três mil fotogramas, encontrados nos cento e vinte e sete rolos de filmes que estavam acondicionados nas três caixas outrora desaparecidas.
          Em 1934 o fotógrafo húngaro Andrei Friedmann, juntamente com a sua namorada, também fotógrafa e produtora, Gerda Taro – na realidade uma alemã, cujo nome real era Gerta Pohorylle – criaram um personagem mítico, que seria um famoso fotógrafo americano e se chamaria Robert Capa.  Com isto pensavam vender mais facilmente suas reportagens fotográficas.  Na época não imaginavam que o personagem criado se tornaria tão real que deixaria profundo registro na cobertura jornalística de conflitos armados (V. Figura 1).

Figura 1 – Gerda Taro e Robert Capa, Paris 1936

          Em 1936 Capa e Gerda partem para a Espanha, fotografando cenas de combate em plena Guerra Civil, onde Gerda Taro encontra a morte no ano seguinte, durante seu trabalho. 
          Uma das fotografias mais marcantes deste período foi feita em uma colina perto de Córdoba, em 1936, onde é captada uma cena que mostra os horrores da guerra, com a imagem de um guerrilheiro Republicano no instante em que é ferido mortalmente.  Esta foto correu o mundo, recebendo o título de Morte de um Soldado Legalista.  O instantâneo foi tirado em um intervalo de tempo muito particular, no que poderíamos chamar de fronteira entre a vida e a morte (V. Figura 2).  Esta fotografia foi publicada pela primeira vez na revista francesa Vu, tendo motivado muitos jovens pelo mundo afora para se alistarem nas famosas Brigadas Internacionais, que partiam para a Espanha em uma luta mortal contra a ditadura franquista apoiada pelos nazistas da Alemanha.  Daqui do Brasil e Argentina saíram muitos voluntários e vários descendentes de italianos integraram as famosas Brigate Garibaldi, que infligiram sérias derrotas aos fascistas, em março de 1937, na cidade de Guadalajara.  A luta destes heróis da liberdade foi imortalizada na literatura por peças de teatro como Os Fuzis da Senhora Carrar, de Bertolt Brecht e o fabuloso romance Por Quem os Sinos Dobram, de Ernest Hemingway, cujo título foi inspirado em um poema de John Donne, que reproduzimos em parte abaixo:
...a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano.  E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.

Figura 2 – Morte de um Soldado Legalista (1936).

          Alguns meses depois da trágica morte de Gerda, no auge dos seus vinte e sete anos de idade, Capa mostrava os horrores da invasão japonesa na China.  Após a invasão da França em 1940, trabalhou nos Estados Unidos, Inglaterra e Argélia, retornando a Europa com a invasão da Normandia.  Em 1947 muda-se para os Estados Unidos, onde com Cartier - Bresson e outros fotógrafos fundam a agência Magnum Photos.  Em 1954 Robert Capa morre na Indochina ao pisar em uma mina, sempre fiel a sua máxima:
Se as fotografias não são suficientemente boas, é porque não se está suficientemente perto.
 Seu corpo foi encontrado com as pernas dilaceradas, mas com a câmera firmemente protegida nas mãos, como fazia em inúmeras situações anteriores em que sobreviveu nos seus quarenta e um anos de vida.
          Enquanto Capa viajava por diferentes países cobrindo conflitos armados, seus negativos, tirados durante a Guerra Civil Espanhola, atravessavam continentes e oceanos.  Em 1939, ou 1940, o fotógrafo húngaro Imre Weisz pegou as caixas contendo estes históricos negativos, em Paris e partiu para Marselha, quando foi preso e enviado para um campo de concentração.  Mas, felizmente, em algum ponto desta viagem, os negativos acabaram nas mãos de um ex-general de Pancho Villa que pertencia ao Corpo Diplomático mexicano na França.  Tanto o general, quanto Weisz foram posteriormente para o México, mas nunca se encontraram e os negativos foram considerados irremediavelmente perdidos.

Figura - 3.  Uma das caixas dos negativos de Capa.

Felizmente contatos recentes com a família do general mexicano permitiram que todo este material esteja hoje nas mãos de historiadores e peritos em fotografia.  Isto é importante, pois alguns suspeitavam que a foto Morte de um Soldado Legalista poderia ser uma montagem, como peça publicitária para a causa Republicana.  Esta suspeita era incômoda, pois o negativo da foto jamais fora encontrado.  Hoje, neste “tesouro”, temos não só uma sequência completa de negativos referentes a esta imagem, como de várias personalidades da época.  Este material permitirá também aos pesquisadores conhecer um pouco mais da carreira de Taro, que foi uma das primeiras mulheres fotógrafas de guerra, e certamente muitas das imagens atribuídas genericamente a Capa, foram tiradas por ela.  Estes acontecimentos, além de nos transportar para um mundo de aventuras e ideais, mostram que apesar de muitos tentarem criar falsas verdades em diferentes países, com poderosas organizações como DIP, Stasi ou TV Pública, a história parece que tem um senso mágico de verdade e justiça, que prevalece, nem que leve décadas.






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