Botswana, Foto T.Abritta, 2008

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Dia Internacional da Mulher 2014

Em 8 de março será o Dia Internacional da Mulher.  Como parte das comemorações será lançada a antologia Mulheres Entrelaçadas (ver convite em anexo).  Fui convidado para fazer o Prefácio, desta publicação, que transcrevo abaixo:




Nossas Cassandras
Teócrito Abritta

            No dia 8 de março comemora-se o Dia Internacional da Mulher. Este dia foi instituído pelo I Congresso Internacional da Mulher, realizado em 1910, na Dinamarca, lembrando para sempre um terrível episódio ocorrido em 8 de março de 1857, em Nova York, quando em uma fábrica têxtil, 129 operárias entraram em greve reivindicando redução da jornada de trabalho e um salário igual ao dos homens. A resposta dos patrões foi trancá-las no interior de uma das salas da fábrica, que foi incendiada, carbonizando as operárias.
            Décadas depois deste massacre, milhares de mulheres continuam sofrendo por este mundo afora, como se carregassem uma maldição imposta por deuses impiedosos, tal nas tragédias gregas. Neste sentido o personagem mitológico Cassandra encarna o sofrimento feminino através dos tempos. 
            Cassandra, por não corresponder ao amor de Apolo, foi punida, perdendo a credibilidade de seu dom profético.  Era capaz de prever o futuro, alertar os homens das tragédias iminentes, mas nunca levada a sério. Previu a Guerra de Troia, massacres e tiranias, sempre diante de ouvidos surdos, que não levaram a sério os seus vaticínios da destruição desta cidade e terminou sendo levada como despojo de guerra para Micenas, onde foi assassinada. 
            Portanto, o Dia Internacional da Mulher deve ser uma oportunidade de romper com esta verdadeira maldição que acompanha as Cassandras contemporâneas, que sofrem em um mundo insensível e surdo aos seus lamentos e reivindicações.
Em oposição às manifestações oficiais por esta data, que tal marcar o Dia Internacional da Mulher por um protesto-homenagem-denúncia vindo de pontos extremos de nosso planeta, como a baixada fluminense e os contrafortes do Himalaia, na poética Darjeeling, na Índia?
Da baixada fluminense vem o terrível depoimento de uma senhora na casa dos quarenta anos, mas com o rosto em frangalhos, esculpido pelo terror de seu cotidiano. 

            “Andei a noite toda procurando a minha menina, que disseram estar zanzando por umas bibocas pros lados de Niterói. Encontrei ela jogada na rua, toda machucada, mas agradeci a Deus por estar viva. A menina foi castigada por andar com os rapazes da comunidade rival. Escapou por ser abobalhada (retardada), mas na sua amiga, que dava as ideias, deram uns tiros nas pernas e tacaram fogo. não sofreu mais por que o chefe da boca era temente a Deus e acabou com a farra da moçada, estourando os miolos da infeliz. Que Deus proteja a sua alma!”

Da Índia, considerada por alguns um exemplo do triunfo do capitalismo desenvolvimentista, vem um singelo sorriso feminino que, a par de sua esperança, não deixa de mostrar a universalidade das brutalidades contra nossas Cassandras que falam, choram ou sorriem, sempre em um mundo de surdez.

            “O trem avançava vagarosamente, disputando os trilhos com vacas, pedestres e toda a sorte de veículos. Na beira do caminho, farrapos humanos trabalhavam na chuva, quase que invisíveis dentro da neblina. Quebravam e carregavam, cambaleantes, enormes pedras. Pelas pequenas mãos machucadas e envoltas em trapos enlameados, vi que eram mulheres realizando um trabalho acima de sua capacidade física e em condições subumanas. Não resisti, abandonei o trem e me aproximei. Uma das mulheres, após descarregar suas pedras, afastou os panos encharcados que cobriam o seu rosto e deu um lindo sorriso, mostrando uma face jovem, cortada por profundas marcas de sofrimento, mas com grande feminilidade, exibindo adornos coloridos emoldurados por um casaco já surrado que cobria um delicado vestido. A chuva escorria pela testa, destacando a marca vermelha dos deuses que a abandonaram. Pensei ter perdido o trem, mas ao me voltar, todos estavam parados, desde os maquinistas até os passageiros, calados e consternados como se refletissem sobre aquela jovem anônima que parecia embalada pelo Coro da Oréstia de Ésquilo que repetia: A desgraça te faz corajosa.”

            Neste trabalho, dezenas de escritores, artistas e fotógrafos, trazem poeticamente suas reflexões, mergulhando na sensibilidade da alma feminina e no papel das mulheres neste mundão de Deus. Desta pluralidade de visões e ideias, vindas de diferentes pontos da terra, é que enriquecemos e crescemos.


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