Botswana, Foto T.Abritta, 2008

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Minas, Minério e Mistério



          Guimarães Rosa nasceu em 1908 em Cordisburgo, situada entre Sete Lagoas e Curvelo, no sertão de Minas Gerais.  Foi médico, diplomata e percorreu o mundo, sempre retornando para as fazendas e campos mineiros, por ser um apaixonado pela cultura sertaneja, seus falares e valores.  Nos últimos vinte anos de sua existência – faleceu aos 59 anos – despontou como um grande escritor, publicando livros traduzidos em diversas línguas.  Esta universalidade foi atingida ao penetrar intimamente na vida do sertão, escrevendo sobre o homem universal que existe em todos nós.  Infelizmente as culturas locais e os grandes valores da humanidade vão desaparecendo com a globalização imposta pelo besteirol televisivo, que tende a criar uma cultura de mediocridade geral.  Mas, assim como Rui Barbosa dizia que a Bahia não era um estado e sim um país, diante da grandiosidade de sua cultura que sobrevive até hoje, em Minas, o sertão de Guimarães Rosa, o Grande Sertão: Veredas, continua eterno, graças a uma ideológica resistência cultural dos mineiros, com a valorização de todos os seus aspectos: artes, do patrimônio histórico, ciência, costumes, culinária e em particular seu linguajar.  O sucesso dessa preservação depende mais de ações individuais e comunitárias do que unicamente do poder público.  Depende também de andarmos Pelo Sertão e de conhecermos o Chapadão do Bugre, a Vila dos Confins e A Palavra Minas, que só os mineiros sabem e não dizem nem a si mesmos.
          Em 1996 viajei pela região do ciclo do ouro de  Minas Gerais, seguindo os passos dos cronistas viajantes do século dezenove como Saint-Hilaire.  Cada povoado mostrava uma surpresa, emoldurada pelos seus nomes maravilhosos:  em Brumal, após percorrer os campos desertos, praticamente encontramos toda a população reunida para a missa dominical; em Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, uma pequena capela oitocentista restaurada pela própria comunidade; em Santo Antônio de Itatiaia, o brilho da pedra sabão na fachada da igrejinha; mais adiante o gótico do Caraça e as ruínas da casa do Barão de Catas Altas que continua de .  Depois rumei para o pequeno distrito de Cocais, onde Álvaro da Silveira em suas Memórias Chorographicas, escritas em 1922, descreve um  cenário encantador: na vertente leste do caminho de Cocáes para Caeté, em um dos penhascos dentre os muitos de quartzito que ahi se encontram, deixaram os índios os desenhos da “Pedra Pintada. 
          Ao chegarmos à Vila de Cocais, uma grata notícia: os desenhos citados ainda existiam e ficavam no sítio da Pedra Pintada (ver figura), para onde rumamos.  chegando, fomos recebidos por Dona Maria Andrelina dos Reis com muita simpatia, falando como se declamasse poesias, o que muito nos impressionou, pois era o falar do Grande Sertão dos Gerais que estava vivo, quarenta anos após Guimarães Rosa registrar esta linguagem em sua grande obra.  E foi Dona Andrelina nos “corrigindo” até a Pedra Pintada, falando entusiasticamente sobre as pinturas rupestres e sobre a região, mostrando uma casinha perdida em baixo do vale onde vivia um “confinante”, um de seus vizinhos mais próximos.


Figura - Detalhe das pinturas da Pedra Pintada.


          O sítio arqueológico da Pedra Pintada é constituído de mais de cem pinturas, em três grandes painéis datados de 6.000 anos a.C.  Mesmo dando um desconto na “modéstia” mineira, alguns dizem que estas pinturas são comparáveis às inscrições rupestres encontradas nas grutas de Altamira na Espanha e Lascaux na França.  Esse patrimônio cultural é conservado com muito zelo pela família do proprietário da área.
          Graças a esses bons brasileiros, a nossa história tem sido preservada. E que continuem iluminados pelas luzes do imutável céu dos Gerais, descrito com precisão astronômica por Riobaldo: Aquelas estrelas sem cair.  As-Três-Marias, o Carretão, o Cruzeiro, o Rabo-de-Tatu, o Carreiro-de-São-Tiago...

Notas:
Carretão: Constelação da Ursa Maior.
Rabo-de-Tatu: Constelação do Escorpião.
Carreiro-de-São-Tiago: Via Láctea.
Maio de 2009




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