Botswana, Foto T.Abritta, 2008

sábado, 2 de abril de 2016

Paraísos Perdidos: Reinos do Tibet e do Nepal


          Agora chegamos a última crônica desta série sobre os paraísos perdidos do Himalaia, visitando os reinos do Tibet e Nepal.
Os visitantes do Tibet normalmente ficam encantados com a beleza de sua natureza e a grandiosidade de seus palácios e templos, principalmente com o gigantesco Potala, centro político e espiritual, no alto de uma colina no centro da capital Lhasa (V. figura 1), de onde reinava o Dalai Lama, em uma verdadeira “Cidade Proibidapara o povoMas, como observou Mario Vargas Llosa falando sobre viagens e seus lugares preferidos no mundo, não se pode entender uma sociedade e um país se não se interessar minimamente por sua problemática políticaAssim procurei ver o que normalmente não é visto, com os olhos insuspeitos de uma pessoa que, para lembrar a idade da esposa, tem que associar a sua data de nascimento ao ano da Revolução Chinesa. 


Figura 1 – O gigantesco Potala no centro de Lhasa.  Foto T.Abritta, 2007.

          O Tibet, antes da invasão chinesa na década de 50, era um reino teocrático onde o Dalai Lama reinava absoluto, com o povo vivendo em um sistema medieval, pagando tributos e enviando alimentos para os monastérios, verdadeiras cidades, como o Monastério de Ganden com dois mil monges e Drepung, o maior de todos, com dez mil monges
          Os chineses chamam a invasão do Tibet de libertação, mas na realidade substituíram o poder medieval do Dalai Lama por um sistema de apartheid, onde os tibetanos são sistematicamente eliminados, expulsos de seu próprio país e têm a sua cultura destruída, para serem substituídos por uma massa chinesa passiva e bem comportada.  Hoje, esta política reduziu drasticamente a população tibetana – já é menos da metade da chinesa – neste país chamado eufemisticamente de “Território Autônomo do Tibet”.  Neste massacre físico e cultural, os tibetanos são considerados seres inferiores, diante da suposta superioridade racial chinesa.  Nas escolas se ensina o mandarim.  Todas as oportunidades de emprego, como cargos públicos e até um simples alvará para a abertura de um comércio, contemplam prioritariamente os cidadãos chineses.  Este governo de ocupação legisla até no mundo sobrenatural, com a “Regulamentação Nacional Chinesa sobre Assuntos Religiosos”, que determina qual é o Lama que vai encarnar o supremo Dalai Lama após sua morte.  O interessante é que o governo de Pequim escolhe também os bispos católicos e o Vaticano simplesmente se cala, em um pragmatismo político que rasga princípios éticos que deveriam ser inegociáveis

Destruição cultural e monges drogados
          Na chegada ao aeroporto de Lhasa, todo o esplendor da paisagem se dissipa com a estrutura militarista de recepção.  No caminho para a capital levamos aproximadamente uma hora, percorrendo uma estrada ladeada de instalações militares, que, ao longo do seu percurso, vai destruindo a paisagem, cortando montanhas e aterrando lagos, dando uma amostra da “modernização chinesa”, onde impera o mau gosto, o desrespeito ambiental e o desprezo a qualquer valor cultural, em um culto absoluto ao lucro fácil.
          Um pouco antes da chegada, paramos para ver uma enorme estátua de Buda talhada na encosta de um rochedo no séc. XI (V. figura 2).  A visão do monumento foi chocante.  Assim como as duas estátuas gigantes de Buda no Afeganistão – Os Budas de Bamiyan – foram destruídas, por aqui os chineses cobriram todos os resquícios da pintura original com uma “restauração do tipo alegoria de escola de samba”, num grande atentado cultural, ao gosto de uma mentalidade modernista simplória, onde tudo deve estar tinindo de novo para agradar ao turismo de massa.


Figura 2 – Estátua de Buda talhada em um rochedo no séc. XI. 
Foto T.Abritta, 2007.

          Mas outras grandes surpresas ainda nos aguardavam, como a entrada em Lhasa, transformada em uma mistura de cidade americana brega com o bairro oriental de São Francisco, com fachadas douradas, muito plástico e mau gosto por todos os lados
          Dentro desse festival de surpresas, ficamos também conhecendo os monges-funcionários-públicos que administram o Norbulingka, antigo palácio de verão dos Dalai Lamas – vestiam-se de monges budistas e para passar o tempo eram muito criativos.  Misturavam haxixe com incenso, conseguindo não espantar os visitantes com uma fedentina insuportável, como chegar aos seusnirvanas” cantarolando com olhos vermelhos e ares imbecilizados.  Um dos supostos monges estava tão drogado que resolveu usar um aspirador de para encerrar o expediente mais cedo com a barulhada que fazia.

A Igreja Universal chinesa
           A nossaperegrinação” continuou visitando o Jokhang, um dos templos mais sagrados do budismo tibetano, restaurado às pressas naquele estiloalegoria de escola de samba” e transformado em uma espécie de Disneylândia chinesa.  Na entrada do templo havia um estacionamento para os luxuosos automóveis das autoridades chinesas, e as massas de turistas tinham que se esgueirar entre os carros, tal bando de zumbis seguindo guias com bandeirinhas coloridas que vão gritando informações e fazendo o circuito da visita, parando em alguns pontos para fotografias, como se fosse a esteira rolante de uma fábrica.  As paredes do templo são cobertas de dinheiro, e por todos os lados observamos cofres para as doações, que são recolhidas constantemente e levadas para uma pequena sala onde o dinheiro é contado e ensacado (V. figura 3).
A fé popular gerando lucros para o capitalismo chinês.


Figura 3 – Montanhas e sacos de dinheiro “recolhidos” como bilhete para o Nirvana chinês.  Foto T.Abritta, 2007.

          No final do dia as bilheterias deste circo são fechadas e assistimos a uma cena de cortar o coração, com a chegada de centenas de peregrinos tibetanos com roupas típicas, mostrando a enorme diversidade cultural que Pequim quer apagar da HistóriaNos arredores do templo fica o quarteirão da rua Barkhor, ainda não destruído, onde podemos viver um pouco do verdadeiro Tibet, tomar uma bebida local – horroroso chá misturado com manteiga de yak – e refletir que a luta do povo tibetano deve ser inserida em um processo mais amplo de autodeterminação dos povos, como os curdos, palestinos, armênios e todos aqueles massacrados neste mundo, desde os beduínos em Israel aos afegãos estraçalhados pelos bombardeios da OTAN.  A visão de um grupo de Khampas, com seus cabelos envoltos em vermelha (V. figura 4), reforça esta idéiaPor que não reivindicar a criação do país Kham e de outros que formariam uma federação tibetana?  Afinal de contas, conforme o Zen Budismo, O caminho do meio está onde nãonem meio nem dois lados, aqui formados pela opressão de Pequim e pelo antigo regime medieval dos Dalai Lama.


Figura 4 – Um grupo de Khampas, um povo altivo e guerreiro
que habita a região Kham.  Foto T.Abritta, 2007.

O Reino do Nepal
          Em Kathmandu, no Nepal, terminei esta longa viagem nostálgica, jantando no restaurante Kilroy`s, tendo ao meu lado uma mesa posta com todos os requintes reais (V. figura 5), aguardando, desde 2001, a volta para jantar em seu lugar preferido, do Rei Birendra e da Rainha Aishwarya, assassinados por seu filho, o Príncipe Dipendra, que se suicidou como em uma tragédia grega, marcando o encontro da tradição oriental com o ocidente, representado pela fria face do capitalismo, que não consegue melhorar a vida desses povos, trazendo apenas desgraças e pobreza para a maioria e riquezas para poucos

Figura 5 – Restaurante Kilroy`s, Kathmandu.  Foto T.Abritta, 2007.




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