Botswana, Foto T.Abritta, 2008

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

As Ruínas de Selinute


          Estava iniciando um texto sobre minha primeira viagem pela Sicília.  Falaria sobre Palermo, Monreale, a pequenina Érice e a mararavilhosa Magna Grécia.  Mas, frente ao poema de Murilo Mendes, tudo mudou.

Palavras desabaram, renderam-se às Ruínas de Selinute.

Correspondendo a fragmentos de astros,

A corpos transviados de gigantes,

A formas elaboradas no futuro,

Severas tombando

Sobre o mar em linha azul, as ruínas.

          Há mais de trinta anos me emocionei com aquelas ruínas.  Caminhei entre suas pedras, fotografei ranhuras, fendas, colunas nascidas verticais partidas em sua morte horizontal.  Mas apenas hoje encontrei palavras para narrar as Ruínas de Selinute.

Severas tombando

Compõem, dóricas, o céu largo.

Severas se erguendo,

Procuram-se, organizam-se,

Em forma teatral suscitam o deus

Verticalmente, horizontalmente.

          O que diziam as imagens?  O que vi da outrora tridimensional Selinute, agora na horizontal-vertical dimensão daqueles slides – cromo, como alguns chamavam.  Eu prefiro slides.

          E minha volta a Selinute acabou em uma viagem fotográfica-arqueológica.

          Comecei a “escavar” até chegar às camadas mais profundas daquelas trinta caixas com material fotográfico: slides acomodados em folhas de polipropileno – vinte e cinco em cada uma –, tiras de negativos, material diverso, como tesouras, pinças, luvas, pincéis e até caixas de molduras de slides esperando novos fotogramas que nunca mais chegaram.  Depois de andar pelos quatro cantos do mundo e por todo Brasil, através mais de dez mil imagens, chego, finalmente, às ruínas desejadas. 

          Entre filmes negativos coloridos e slides, vou examinando cada fotograma.  Algumas imagens foram capturadas com o legendário Kodachrome e com a câmera Olympus OM-1.  Este filme resistiu de 1935 a 2009, quando declarado oficialmente morto.  Lembro-me que apenas vinte e cinco laboratórios no mundo revelavam esta película.  Para nós, o mais próximo era no Panamá. 

          Pego a mesa de luz, limpo seu vidro, ligo na tomada, aperto o botão de partida da lâmpada, e as imagens saltam nos olhos, ampliadas por uma lupa. 

          Monto o velho projetor Cabin e, de sua lente luminosa, as Ruínas de Selinute brilham na parede.  Enormes pedras tombadas vão subindo a colina desta fantástica cidade da Magna Grécia. 

          A História vai falando dos horrores das guerras que levaram a cidade rival Segesta a tanta destruição com o auxílio dos Cartagineses seus aliados.  Mais guerras.  Agora os Romanos e depois, já na era Bizantina, a fúria da Natureza com seus terremotos. 

          Hoje, apenas as fantásticas Ruínas de Selinute testemunhando a insensatez humana, a nossa fragilidade diante da Natureza tão mal tratada. 

          Como um tributo a esse arquivo fotográfico, que tantas lembranças me trouxe, escrevi em uma folha de papel, guardando cuidadosamente junto com as imagens:

Inconscientes Fotográficos

                    Tal luz na pedra escura a História passa

cenários ficam – muros rochas arquiteturas de alegrias

cores de sofrimentos.

A fotografia.

Outrora em cristais de prata

hoje pixels, registros numéricos.

 
Alfinetadas na imaginação

dores no coração

sombras de paixão

reviravoltas da emoção.

As distantes e mudas ruínas, agradecidas, pareceram responder:

Nossa medida de humanos

– Medida desmesurada –

Em Selinute se exprime:

Para a catástrofe, em busca

Da sobrevivência, nascemos.
 
Nota:

Em negrito versos do poema As Ruínas de Selinute, Murilo Mendes.

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