Botswana, Foto T.Abritta, 2008

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O Tatu e a Rainha

Há oito anos...


          Viajando pelo interior do Rio Grande do Sul, parei em um simpático restaurante em Cambará do Sul onde tocava um seleto repertório de música regional gaúcha.  Uma das canções era verdadeira ode à natureza e ao tatu em particular.  E ia a música cantando a esperteza deste animal, dizendo: “o tatu se esconde aqui, o tatu se esconde ali” e assim por diante.  Mas ao examinar o cardápio, fiquei pasmo com a variedade de pratos de tatu que apresentava.  Pensei indignado como andava o desrespeito a fauna silvestre por estas bandas.  O garçom, acostumado com forasteiros, vendo meu espanto se adiantou e me explicou que não vendiam carne de tatu, pois era um crime ambiental e que aqueles pratos eram na realidade de lagarto. ComoNão é também aquele bicho, é aquela parte do boi que vocês chamam de lagarto e aqui no Rio Grande chamamos de tatu, continuou o paciente garçom acostumado com as esquisitices dos visitantes ecológicosTudo esclarecido, foi servido um belo prato de carne bovina, um macio lagarto à moda gaúcha
          As minhas preocupações não eram totalmente infundadas.  Pela Lei Federal no 5.197/67, a caça é proibida em todo território nacional, sendo, entretanto, liberada na unidade da federação que através de estudos científicos determine quais os animais que não estejam ameaçados de extinção e que podem ser alvos dos caçadores, a pretexto de promover o equilíbrio ecológico, desde que promovam também uma efetiva fiscalização.  Obviamente esta Lei não tem nenhum fundamento baseado nas Ciências da Natureza, que o equilíbrio ecológico está relacionado a predadores naturaisInfelizmente o único estado brasileiro onde a caça foi permitida sob a égide desta lei foi o Rio Grande do Sul, onde a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (www.fzb.rs.gov.br) realiza os tais estudos científicos indicando os animais para a matança e as temporadas de caça, o que muito agrada as associações de caçadores locais, como a Associação Gaúcha de Caça e Conservação (sic).  Podemos admitir que em alguns casos, como os javalis vindos de criações paraguaias e o chamado porco monteiro, de origem incerta, que não pertencem a fauna brasileira e causam problemas no Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, recebam um tratamento especialMas problemas como estes devem ser administrados pelo governo federal sob a tutela do IBAMA e não delegados a um determinado Instituto Estadual.  Em tempos de preocupação com a natureza, fica aqui a sugestão para que algum parlamentar com vocação ecológica proponha modificações nesta legislação absurda.
          E a Rainha, onde entra nesta históriaEla tem tudo a ver, pois a caça é uma importante instituição britânica para preencher a ociosidade de sua nobreza que se diverte com suas cargas de cavalaria, toques de clarins, correndo pelos campos acompanhada de dezenas de cães na perseguição de uma assustada raposa.  Os que viram o filme “A Rainha” de Stephen Frears, devem ter estranhado que para cuidar das reações de Harry e Willian, netos da Rainha Elisabeth II, com a notícia da morte de sua mãe Diana em Paris, em 31 de agosto de 1997, eles tenham sido levados a uma caçada na residência de campo de Balmoral, na Escócia, onde estava sediada a família real.  Era como se a notícia da tragédia de Diana, despedaçada em um acidente automobilístico na madrugada deste mesmo dia, fosse lavada com o sangue da caçada, mostrando às crianças que existe um valor maior, que é a realeza e o Império Britânico, que está acima das pessoas.  Afinal de contas, um bom caçador deve ser frio, calculista, muitas vezes até impiedoso e familiarizado com o sangue e a morte.  Estes requisitos são importantes na formação do caráter de futuros dirigentes britânicos, já que seu império colonial passado, sua realeza e agora no presente seus interesses econômicos pelo mundo afora sempre foram garantidos por extrema violência e sacrifício de muitas vidas humanas inocentes, tal qual os animais abatidos em caçadas.
          Um exemplo do modus operandi das forças armadas britânicas pode ser visto no Iraque.  As forças militares americanas, com mais de cento e cinqüenta mil homens, não conseguem assegurar os seus interesses, mesmo com bombardeios, mortes e destruição generalizada e, paradoxalmente, a par da sofisticação dos equipamentos militares, contrata até antigos integrantes dos esquadrões da morte salvadorenhos no seu desesperado esforço repressivoEnquanto isto os ingleses e a sua secular experiência de repressão colonial com uma pequena força militar de 8.000 homens, controla todo o sul do Iraque, assegurando o fornecimento de petróleo em Barsa.  Isto é fruto de um exército profissional que usa técnicas sofisticadas de violência e tortura no trato com a população civil, que é o celeiro de jovens insurgentes que lutam pela sua cultura e seu país.  As tropas britânicas agem sempre discretamente, mas quando alguma notícia de violência vaza para a imprensa, como os recentes casos de espancamentos, abusos sexuais e tortura, o Primeiro Ministro Tony Blair faz um discurso indignado e um júri militar condena os torturadores a penas simbólicas dizendo que apenas cumpriam ordens superiores de “trabalharem duro” e se excederam um pouco em suas missões patrióticas.  Este será o ambiente onde o Príncipe Harry, o filho mais novo do Príncipe Charles e da Princesa Diana, conviverá nos próximos meses, comandando no Iraque uma unidade de doze homens dos esquadrões do Household Calvary Regiment, ao qual pertence e graças a sua formação, desde as primeiras lições de caça, nada estranhará. 
          No filme “A Rainha” tem também uma cena em que Elisabeth II ao desistir de acompanhar seus netos na caçada encontra um belo alce real, que ao encará-la parece despedir-se da vidaLogo depois ecoam tiros, para finalmente a Rainha constatar que o belo animal foi abatido por mãos plebéias.  Nesta seqüência a emoção expressada pela Rainha poderia hipoteticamente estar relacionada ao fato de que no ano de 1952, ao receber a notícia do falecimento do seu pai, Rei da Inglaterra, George VI, ela também estava envolvida com atividades de caça.  A jovem princesa da Inglaterra, então com 26 anos de idade, estava casada há cinco anos com Philip Mountbatten, Duque de Edimbourg e passavam o tempo abatendo impiedosamente elefantes, zebras, leões e toda a rica fauna africana.  Neste ano o jovem casal praticava este reprovável “esporte” no alto das montanhas, em Aberdare, no Quênia, quando chegou um emissário vindo de Nairobi comunicando o falecimento do Rei da Inglaterra. Neste mesmo dia partiram para Londres tendo a Princesa, como filha mais velha do falecido Rei, assumido o Reino.  No caminho de volta o povo saudava a Princesa, mas na verdade não sabiam que se tratava da Rainha da Comunidade BritânicaHoje as ruínas das antigas instalações de caça real, destruídas há algum tempo por um incêndio, são mantidas como um registro desta esta época de violência tendo sido estas montanhas transformadas no Parque Nacional de Aberdare, um refúgio da vida selvagem, onde foi construído o Hotel Treetops, para caçadores de imagens da vida animal usarem suas lentes do alto de suas paliçadas e aberturas, focalizando os animais que diariamente visitam um pequeno lago em sua proximidade
          O hotel tem uma pequena biblioteca onde são encontradas fotos, documentos, registros das caçadas e todo o histórico do período colonial nesta região.
          O governo do Quênia leva a sério a sua política ambiental, fiscalizando efetivamente seus parques e reservas com um verdadeiro exército de rangers armados de metralhadorasEnquanto isto aqui pelo Brasil...

“Caçador Fotográfico”, Hotel Treetops, Parque Nacional de Aberdare,
Quênia – janeiro de 2001.

Montbläat
Rio de Janeiro, 4 de abril de 2007.
Teócrito Abritta



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