Um fato que muito me chamou a atenção durante a última visita
do Papa ao Brasil, foi que Bento XVI e os integrantes
da Cúria Romana
se emocionaram durante um encontro com jovens , diante
dos milhares de flashes
dos telefones celulares
e câmeras digitais
voltadas em sua
direção na captação daquele momento
único .
As luzes dos dispositivos
digitais eram como
velas da modernidade que iluminavam aqueles
religiosos que, além
de comandarem a Igreja Católica, são chefes de estado e portanto
responsáveis pelos
terríveis rumos
políticos do mundo
contemporâneo .
Espero que estes
jovens, com a sua
pureza tenham suavizado
os corações dos visitantes, endurecidos
pelas disputas palacianas e jogos políticos
que os levaram à direção
do Estado do Vaticano . É interessante observar ,
em face
deste espetáculo de optoeletrônica, que o primeiro registro escrito da tecnologia óptica vem da Bíblia . Os primeiros
espelhos eram feitos
de placas de pedra
polida e depois
de placas polidas de cobre ou bronze e são
descritos na antiguidade bíblica em Êxodo 38:8,
onde se relata como
Beseleel construiu um dos objetos do altar
do santuário em
Jerusalém: Fez uma bacia
de bronze e a sua
base com
os espelhos das mulheres
que serviam à entrada
da Tenda de Reunião . Se aqui
temos um caso
histórico de tecnologia
reversa , onde
valiosos espelhos
transformaram-se em fundos
de bacias , nos
dias de hoje
assistimos a grupos ditos
religiosos colocando em risco as conquistas da ciência
moderna com
teorias como
Criacionismo, Design
Inteligente e toda
a sorte de mistificações, para
tentar dar um cunho científico a opções
religiosas. Isto
para não falar dos ataques às
pesquisas de células
tronco e às políticas
públicas de combate às doenças
sexualmente transmissíveis.
O Criacionismo, quando
busca um
fundamento científico ,
naufraga completamente , já que, se o mundo
foi feito em
seis dias
de uma maneira sobrenatural
por Deus ,
é impossível encontrar
indícios deste evento, e os que teimam nesta direção
comportam-se como se estivessem no século XVIII, afirmando que
os fósseis de animais extintos eram simples
pedras com
formas curiosas. Entretanto
muito esforço
tem sido feito por
esta pseudoteoria, inclusive material, aproximando o
Criacionismo de uma prática mais
comercial e política .
Trilobita, um fóssil de 550
milhões de anos – Foto T.Abritta
O Design Inteligente é uma forma
disfarçada de Criacionismo, pois da mesma maneira tenta trazer o sobrenatural para dentro da Ciência . Esta teoria
é baseada em
que a Evolução
é extremamente complexa
para ter acontecido ao acaso , tendo portanto
uma certa racionalidade
que vem da razão
criativa de Deus ,
o Designer
Inteligente . Esta teoria
foi revigorada com um
artigo do cardeal
Christoph Schoenborn, publicado em 2005
e agora com
o lançamento na Alemanha, por Bento XVI,
do livro Schoepfung und Evolution (Criação e Evolução), onde
a teoria evolucionista
de Charles Darwin é criticada com os mesmos argumentos
anteriores de que
a evolução tem uma racionalidade
não explicada pela
seleção aleatória . Aqui
cabe um exemplo
simples e interessante que é o do vírus
Ebola, por exemplo . Esta verdadeira substância
química vivente
sofre mutações contínuas, o que garante a sua
sobrevivência , já
que não
consegue trilhar um
caminho evolutivo . Onde
está a racionalidade evolutiva sobrepondo-se às mutações
aleatórias neste caso ?
Temos também
os pensadores que
aparentemente reconhecem o universo de trabalho da Ciência , mas freqüentemente buscam fundamentos
científicos para
as suas indagações
teológicas. Uma das áreas
científicas mais visadas é a Cosmologia Física
com suas
teorias da origem ,
evolução e expansão
do Universo e com
os conceitos de matéria ,
energia , tempo
e o próprio espaço . Estas teorias
são baseadas em
parâmetros e medidas
da densidade média
do universo , sua
velocidade de expansão ,
temperatura da radiação
de fundo , medidas
do deslocamento para
o vermelho do comprimento
de onda da luz
etc. Para aqueles que não têm uma formação
científica mínima ,
esta área de estudo
soa um tanto
fantástica ou
até sobrenatural, e não
resiste à clássica pergunta
do que existiria antes
do chamado “Big Bang”, uma pergunta que está simplesmente
fora do universo
de estudo da Ciência ,
pois esta só trabalha com condições iniciais
definidas e parâmetros mensuráveis. Nos anos 40, a hipótese
mais aceita sobre
o Universo, era de um
sistema estacionário
que sempre
teve a mesma aparência
como a observada agora ,
onde o movimento
de recessão das galáxias
ocorria apenas em
escalas locais . Esta teoria
foi proposta pelo
astrônomo e físico
inglês Fred Hoyle (1915-2001) e colaboradores, mas não
resistiu à evolução científica . A teoria
do universo estacionário
era menos
atraente do ponto de vista da especulação
filosófica e tinha portanto
o mérito de dar
uma certa tranqüilidade
para a Ciência
trabalhar em paz . Hoyle também escrevia livros
de divulgação e ficção
científica , onde
expressava livremente algumas de suas ideias. Em um destes livros , A Nuvem Negra ,
a ficção versa
sobre uma forma
de inteligência não
biológica, onde informações
eram armazenadas e transmitidas por processos eletromagnéticos
no interior de nuvens
que podiam dividir-se, conectar
ou se desconectar
umas das outras como em uma grande rede de computadores . Na história
estes sistemas
pensantes sempre
existiram, não tendo começo nem fim , como a estrutura do modelo de Universo estacionário . No desenrolar da
trama, uma destas nuvens negras
estacionou entre o Sol
e a Terra para absorver a energia solar , quase acabando
com a vida
em nosso
planeta .
Mas felizmente
esta gigantesca matéria
pensante partiu em
busca de informações
que recebeu dos confins
do universo e que
a abalaram seriamente. Este singelo romance mostra que o importante
é que todos
tenham a liberdade para
procurar respostas às suas
dúvidas e indagações. Até aqueles
que repousam na tranqüilidade
de suas inabaláveis
convicções devem manter
uma janela aberta ,
como a nossa
nuvem negra ,
que partiu em
busca de um
inimaginável desconhecido ,
deixando a luz iluminar
a Terra , a Ciência e a Cultura.
Publicado no livro Memória, História e Imaginação, 2010.
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