Botswana, Foto T.Abritta, 2008

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Um Mundo de Imagens – primeira parte


Publicado no Montbläat, abril de 2007

          O Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, apresenta até o final de abril a exposição Impressões Originais: A Gravura desde o século XV.  Esta amostra apresenta seiscentos anos de história da gravura através de duzentos e oitenta obras originais de artistas como Dürer, Rembrandt, Goya, Picasso, Warhol, Matisse, Miró, Lichtenstein e gravadores brasileiros como Goeldi, Grassmann, Scliar, Segall, Iberê Camargo, Ligia Pape e outros, destacando movimentos como o Expressionismo, o Abstracionismo, a Pop Art e a Nova Figuração.  Nesta exposição podemos ver matrizes e instrumentos antigos, informações sobre várias técnicas como: xilogravura, litografia, água-tinta, água-forte, buril, linóleo, relevo seco e fotogravura.  também um incunábulo, que é um livro impresso no século XV com matrizes em madeira, que eram copiados e ilustrados um a um à mão, usando a técnica de xilogravura.  Foi editado um belo catálogo com mais de cento e cinquenta páginas com reproduções de todas as obras expostas, detalhes sobre as diferentes técnicas de gravura, informações sobre os artistas, movimentos e períodos históricos. 

          Ao visitar esta exposição, alguns fatos me chamaram a atenção, como uma falha técnica em uma das gravuras de Picasso que não era notada pela maioria das pessoas.  Vivemos em um mundo de imagens onde a comunicação visual foi ampliada pelas técnicas digitais, mas muitos de nós continuamos como analfabetos visuais.  A imagem do ponto de vista geométrico, nada mais é do que uma projeção de pontos em um espaço bi-dimensional, onde cada um corresponde a um ponto no espaço tridimensional.  A imagem também pode estar ligada a outras realidades, como expressões de emoções, visões artísticas ou mesmo interpretações técnico-científicas como, por exemplo, em exames médicos e mapas meteorológicos.  O fato concreto é que a imagem não é uma cópia da realidade, mesmo na fotografia, onde o enquadramento e a iluminação – para não falarmos nos retoques digitais – impõem a visão do fotógrafo.  Em uma gravura ou pintura esta visão pode ser muito mais intensa.  Logo, um cidadão alfabetizado deve não saber ler e escrever como ter uma boa percepção visual, que as técnicas de propaganda e marketing constantemente nos bombardeiam com imagens: vendendo produtos, criando necessidades ou mesmo visões políticas. 
Esta é uma discussão longa e para quem quiser aprofundar-se, pelo menos no tocante a fotografia onde estou mais familiarizado, sugiro os livros: Sobre Fotografia, de Susan Sontag e O Ato Fotográfico de Philippe Dubois.
          Outro fato interessante que deve ser lembrado por ocasião da visita a esta exposição, é que enquanto os primeiros livros foram impressos no século XV, através de técnicas de xilogravura, aqui no nosso pobre e sofrido nordeste brasileiro somente no século XX a literatura popular chegou alegremente a suas feiras e mercados, associada à gravura. 
A técnica de xilogravura inicialmente foi usada em rótulos de garrafas de cachaça e folhinhas, só mais tarde passando a ilustrar nossa literatura popular ou de cordel, assim chamada devido a forma como os livretos eram expostos para venda.  Os gravadores nordestinos com seus toscos instrumentos de trabalhoformões, goivas, canivetes e outros materiais improvisados para corte – contribuíam para uma melhor visualidade e beleza das histórias impressas em tipografias artesanais com suas caixas de tipos móveis e prensas manuais.
          Como exercício de leitura de imagens, vamos usar o trabalho destes heróis culturais da literatura de cordel e suas dificuldades técnicas na produção das xilogravuras e gravações, já que muitos jamais frequentaram escolas, sendo autodidatas.  
          Na Figura 1 apresentamos uma cópia digital de uma chapa xilográfica do gravador José Costa Leite, nascido em Sapé, Paraíba, em 1927.  Este artista, além de Poeta do Cordel, é um dos maiores e mais importantes xilogravuristas do Brasil, tendo se iniciado nesta arte muito jovem.   expôs suas obras em muitos estados brasileiros e no exterior, como em Nova York e Santiago no Chile. 
 

Figura 1 - Cópia digital de uma chapa xilográfica de José Costa Leite
 
          Normalmente os artistas desenham a obra a ser gravada e depois reproduzem, como se refletidas em um espelho, as imagens na matriz a ser usada como chapa de gravação.  Os artistas primitivos em geral concebem a imagem diretamente já espelhada na chapa ou matriz.  Na Figura 2 apresentamos a chapa da Figura 1 espelhada digitalmente, tal como uma impressão xilográfica.  Comparando as duas figuras notamos que as iniciais do gravador, JCL, estava inicialmente invertida na Figura 1, assim como todo o motivo artístico.
 

Figura 2 – Equivalente digital da impressão xilográfica da chapa anterior.
 
          Como um exercício visual deixamos para os leitores comentarem as particularidades das imagens apresentada nas figuras anteriores, bem como do diabo mostrado na Figura 3 que foi impresso através da xilogravura pelo mesmo gravador.
 
Figura 3 – Imagem de um diabo.
 
          Falando em arte popular, não podemos também deixar de mencionar as inscrições rupestres deixadas em diversas regiões brasileiras pelos primeiros habitantes de nossa terra. 

Na Figura 4 apresentamos a figura 44 do livro Préhistoria brasileira de Aníbal Mattos, Editora Brasiliana, 1939 e abaixo reproduzimos alguns trechos referentes a esta ilustração:
          Na serra de S. Thomé das Letras (Ayruoca) foram copiados, pela Commissão Geológica de Minas os glyphos que alli se encontram, e que tambem foram estudados pelo eminente historiador e geographo Barão Homem de Mello, (Fig. 44), que assim a descreve:
          “Copiei-a eu mesmo, linha por linha, e, chegando ao Rio, fil-a gravar pelo sr. Pinheiro, então nosso primeiro xylographo.
          Quanto aos caracteres traçados, vê-se em baixo desenhado um quadrupede, talvez uma raposa, no centro um instrumento em forma de pente, na linha do alto á esquerda, talvez a figura rudimentar de um quadrupede.
          Os outros caracteres não apresentam forma conhecida”.
Figura 4 – Fac-simile da figura 44 do livro Préhistoria brasileira.
 
          Este interessante registro arqueológico e xilográfico fica como um segundo exercício visual, onde sugerimos a observação de alguma incoerência nas informações apresentadas no livro de Aníbal Mattos. 
          Na segunda parte deste artigo comentaremos as sugestões aqui apresentadas bem como a gravura de Picasso que motivou esta história toda.
 

 

 
 

 

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