Ontem, olhos marejados. Hoje, uma bela história. Nem os já costumeiros falatórios podem
atrapalhar. Simplesmente ignore-os.
O sol brilha nesta cinzenta São
Paulo. E estou inspirado:
Toda manhã, bem cedinho, ainda escuro
no inverno, o moleque traz um cavalo e o Promotor parte para destino incerto.
Será que ele tem outra família? Um santo de pau-oco!
O pasto está verde. O cavalo relincha, ergue as patas dianteiras saudando
o amigo. Bicheiras quase curadas. Apenas um pouco de pomada Crino-D nas escaras. Sabão preto na tábua de pescoço para evitar
morcegos. Crina e rabo sedosos, cascos
endurecidos. Em mais uns dias acabará
sua solidão.
Domingo. Todos na missa. O tropel estremece a Rua do Amparo. Pelo bater de cascos, a montaria não está
ferrada.
O moleque apeia, o Promotor sai
correndo, ainda de chinelos e paletó de pijama.
Tempo apenas para enfiar uma calça de casimira.
Além de não ter compostura no vestir, um ateu. Deveria estar na missa.
Enquanto
a mulher reza, começa o dia pecando com outras...
Amarra o cavalo na maçaneta da porta e
corre para dentro.
Tragédia anunciada: na esquina aponta
o Buick de Seu Zizinho da Pedra – como o povo chama o proprietário da Fazenda
da Pedra.
Ruído ensurdecedor,
fumaceira fedorenta do gasogênio. Em
tempos de guerra era assim: na produção do gás combustível eram usadas pedras
de carbureto – carbeto de cálcio – que em contato com a água
produzem o gás acetileno
que é queimado.
Diante do monstrengo ameaçador, o
cavalo empina, cascos na porta que racha ao meio. O Promotor aparece e grita: vai se chamar Desatino!
Na pequena aglomeração que vai se
formando, agora palavras de simpatia:
Vocês viram? Entrou
com o cavalo casa adentro. Está
atravessando o corredor.
Está lavando Desatino no tanque dos fundos.
Agora está escovando.
Está sendo selado.
Lá vem ele.
Montou
Subiu a rua a galope.
Vai descer. Sai da
frente!
Será que para?
Deslizou uns dez metros no pé de moleque...
e não caiu!
Melhor ferrar este cavalo.
Assim um cavalo conquistou a
Cidade. Histórias bonitas devem ser
curtas e ter final feliz.
Todos acenavam, todos falavam: lá vai Desatino e o Promotor.
Mas tomem cuidado. Nem sempre a palavra cavalo, ou mesmo muar, é
usada como denotação de seres alegres e inofensivos como Desatino. A pequena e antiga história abaixo fica como
alerta:
Reza a lenda que o rei lídio Creso
envolveu-se excessivamente com Oráculos e tentou conquistar
o gigantesco império
Persa. Acreditava nas informações oraculares
de que só
perderia a guerra com
este poderoso
país, se ele fosse governado por um mulo . Após
esta insana aventura ,
Creso voltou ao oráculo para
pedir explicações
e escutou que Ciro, o rei dos persas, devido a sua estupidez era
considerado um mulo
por estes
religiosos .
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