Publicado no Montbläat em março de 2008
Nestes tempos de violência, quando o
fascismo parece triunfar, o aparecimento de um conjunto de negativos dos
fotógrafos Robert Capa, Gerda Taro e David Seymour, tirados em 1936 durante a
Guerra Civil Espanhola e desaparecidos desde a Segunda Guerra Mundial,
atualizam não só a história da fotografia, como das lutas pelos ideais
democráticos e socialistas tão desprezados em nossos dias. Tal qual em um romance de suspense e mistério,
vidas, mortes, encontros e desencontros marcaram a longa viagem deste material
durante quase setenta anos, pela Europa, passando pelo México, para finalmente
chegar, no final do ano passado, ao Centro Internacional de Fotografia de Nova
York (http://www.icp.org/) fundado por Cornell, irmão do fotógrafo Robert
Capa. Até então eram conhecidas quinhentas
imagens de Capa e agora se somaram a este acervo mais de três mil fotogramas, encontrados
nos cento e vinte e sete rolos de filmes que estavam acondicionados nas três
caixas outrora desaparecidas.
Em 1934 o fotógrafo húngaro Andrei
Friedmann, juntamente com a sua namorada, também fotógrafa e produtora, Gerda
Taro – na realidade uma alemã, cujo nome real era Gerta Pohorylle – criaram um
personagem mítico, que seria um famoso fotógrafo americano e se chamaria Robert
Capa. Com isto pensavam vender mais
facilmente suas reportagens fotográficas. Na época não imaginavam que o personagem
criado se tornaria tão real que deixaria profundo registro na cobertura
jornalística de conflitos armados (V. Figura 1).
Figura 1 – Gerda Taro e Robert Capa, Paris 1936
Em 1936 Capa e Gerda partem para a
Espanha, fotografando cenas de combate em plena Guerra Civil, onde Gerda Taro
encontra a morte no ano seguinte, durante seu trabalho.
Uma das fotografias mais marcantes
deste período foi feita em uma colina perto de Córdoba, em 1936, onde é captada
uma cena que mostra os horrores da guerra, com a imagem de um guerrilheiro Republicano
no instante em que é ferido mortalmente.
Esta foto correu o mundo, recebendo o título de Morte de um Soldado Legalista.
O instantâneo foi tirado em um intervalo de tempo muito particular, no
que poderíamos chamar de fronteira entre a vida e a morte (V. Figura 2). Esta fotografia foi publicada pela primeira
vez na revista francesa Vu, tendo motivado muitos jovens pelo mundo afora para
se alistarem nas famosas Brigadas
Internacionais, que partiam para a Espanha em uma luta mortal contra a
ditadura franquista apoiada pelos nazistas da Alemanha. Daqui do Brasil e Argentina saíram muitos
voluntários e vários descendentes de italianos integraram as famosas Brigate Garibaldi, que infligiram sérias
derrotas aos fascistas, em março de 1937, na cidade de Guadalajara. A luta destes heróis da liberdade foi
imortalizada na literatura por peças de teatro como Os Fuzis da Senhora Carrar, de Bertolt Brecht e o fabuloso romance Por Quem os Sinos Dobram, de Ernest
Hemingway, cujo título foi inspirado em um poema de John Donne, que
reproduzimos em parte abaixo:
...a morte de qualquer
homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos
dobram; eles dobram por ti.
Figura 2 – Morte
de um Soldado Legalista (1936).
Alguns meses depois da trágica morte
de Gerda, no auge dos seus vinte e sete anos de idade, Capa mostrava os
horrores da invasão japonesa na China. Após
a invasão da França em 1940, trabalhou nos Estados Unidos, Inglaterra e
Argélia, retornando a Europa com a invasão da Normandia. Em 1947 muda-se para os Estados Unidos, onde
com Cartier - Bresson e outros fotógrafos fundam a agência Magnum Photos. Em 1954
Robert Capa morre na Indochina ao pisar em uma mina, sempre fiel a sua máxima:
Se
as fotografias não são suficientemente boas, é porque não se está
suficientemente perto.
Seu
corpo foi encontrado com as pernas dilaceradas, mas com a câmera firmemente
protegida nas mãos, como fazia em inúmeras situações anteriores em que
sobreviveu nos seus quarenta e um anos de vida.
Enquanto Capa viajava por diferentes
países cobrindo conflitos armados, seus negativos, tirados durante a Guerra
Civil Espanhola, atravessavam continentes e oceanos. Em 1939, ou 1940, o fotógrafo húngaro Imre
Weisz pegou as caixas contendo estes históricos negativos, em Paris e partiu
para Marselha, quando foi preso e enviado para um campo de concentração. Mas, felizmente, em algum ponto desta viagem,
os negativos acabaram nas mãos de um ex-general de Pancho Villa que pertencia
ao Corpo Diplomático mexicano na França.
Tanto o general, quanto Weisz foram posteriormente para o México, mas
nunca se encontraram e os negativos foram considerados irremediavelmente
perdidos.
Figura - 3.
Uma das caixas dos negativos de Capa.
Felizmente contatos recentes com a
família do general mexicano permitiram que todo este material esteja hoje nas
mãos de historiadores e peritos em fotografia. Isto é importante, pois alguns suspeitavam que
a foto Morte de um Soldado Legalista poderia
ser uma montagem, como peça publicitária para a causa Republicana. Esta suspeita era incômoda, pois o negativo da
foto jamais fora encontrado. Hoje, neste
“tesouro”, temos não só uma sequência completa de negativos referentes a esta
imagem, como de várias personalidades da época.
Este material permitirá também aos pesquisadores conhecer um pouco mais
da carreira de Taro, que foi uma das primeiras mulheres fotógrafas de guerra, e
certamente muitas das imagens atribuídas genericamente a Capa, foram tiradas
por ela. Estes acontecimentos, além de nos
transportar para um mundo de aventuras e ideais, mostram que apesar de muitos
tentarem criar falsas verdades em diferentes países, com poderosas organizações
como DIP, Stasi ou TV Pública, a
história parece que tem um senso mágico de verdade e justiça, que prevalece,
nem que leve décadas.
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