Diante da depredação
ambiental, tolerada pelos nossos governantes em
busca do voto
irresponsável, é surpreendente
que a menos
de duzentos quilômetros das duas maiores cidades
brasileiras, Rio de Janeiro
e São Paulo, sobreviva um paraíso da natureza que é
a Ilha Grande. Esta ilha já conheceu o ciclo
da cana-de-açúcar, do café e já
sediou mais de vinte indústrias de processamento
de sardinhas. Durante
cem anos
abrigou instituições carcerárias, até que em 1994 o Presídio
de Dois Rios
foi desativado e em seu
lugar foi criado
um centro
de pesquisas da Universidade
do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Paradoxalmente
a existência do presídio
foi um fator
de preservação desta ilha,
com o esvaziamento das atividades econômicas e o afastamento da especulação imobiliária. Hoje a
Ilha Grande
tem 90% de sua área
coberta de florestas,
sendo que aproximadamente 30% são primárias e o restante secundárias, com estados de regeneração variáveis.
Com a desativação de grandes
fazendas e indústrias,
os caiçaras – uma mistura
étnica entre
portugueses, índios e negros – continuaram as suas
culturas de subsistência,
onde faziam a rotatividade
da terra e suas
atividades pesqueiras. É interessante observar
que mesmo
nas matas secundárias, ainda podemos observar antigas
figueiras da vegetação primária, pois estas árvores nunca
eram abatidas pelos caiçaras
por serem consideradas sagradas. No Saco
do Céu, bem a
beira mar,
tem um belo
exemplar de uma destas árvores
centenárias.
A
par de suas
florestas, a Ilha
Grande possui um
fabuloso patrimônio
marítimo, com
praias voltadas para
o alto mar
menos habitadas e mais
preservadas, já que
de maio a setembro,
no chamado inverno, o mar é muito violento, dificultando o acesso
marítimo. As praias
voltadas para o continente
são mais
povoadas, mas mesmo
assim razoavelmente conservadas. O grau
de pureza das águas
de algumas praias pode ser
constatado pela pujança
da vida marinha,
como estrelas
do mar e tartarugas
que podem ser
vistas em
quantidade no Saco
do Céu e na praia
de Manguariqueçaba. Outro
grande espetáculo
pode ser visto
em um
passeio noturno
de barco pela
Enseada das Estrelas
onde, nas noites
escuras, todo o trajeto
do barco fica iluminado e os peixes
brilham, devido ao fenômeno
conhecido como
ardentia – com a agitação
mecânica da água,
dissolvemos oxigênio e os plânctons emitem luz
em um
processo físico
de fosforescência.
Mas a Ilha Grande não é só natureza. Em suas praias
temos o registro de povos
que aqui
viveram há mais de 3.000 anos e afiavam as suas
facas e machados
de pedra nas rochas,
em verdadeiras oficinas
líticas. Estes
amoladores-polidores estão espalhados por
diversos rochedos,
sob a forma
de sulcos, testemunhando as atividades pesqueiras destes antepassados.
Este patrimônio
natural e cultural está, do ponto de vista formal, bem protegido. Toda a Ilha Grande faz parte
de uma Área de Proteção
Ambiental que está dividida em reservas
específicas como: Parque
Estadual da Ilha Grande,
Parque Estadual Marinho
do Aventureiro e Reserva
Biológica Estadual da Praia do Sul. A ilha
é bem servida de serviços
públicos, tendo um
bom posto
de saúde, serviços
de defesa civil,
posto policial,
batalhão florestal e fiscalização marítima da capitania
dos portos. Mas em um país em que a cultura e
a ciência são
desprezadas e atividade cultural é posar para fotos em estréias no
Canecão, devemos estar ultra-atentos, ainda mais com esta história
de eleger a Ilha Grande como uma
das maravilhas do Rio.
A
maior ameaça à
Ilha Grande é
a especulação imobiliária
e a superpopulação. Nos
meses de verão podemos ver
nas praias do Abraão e Abraãozinho, o óleo que vaza das embarcações
e a gordura do esgoto
que se infiltra pela
areia e acaba no mar. É fundamental
uma maior fiscalização nos motores dos
barcos, estabelecer
uma ocupação máxima
para a ilha, com um limite das construções
horizontais ou
verticais. É necessário também ter um sistema de tratamento de esgotos,
já que
alguns rios
ficam totalmente poluídos com o excessivo uso das fossas
sanitárias, transformando belíssimas praias
em cloacas
fétidas.
Com o aumento do turismo e dos lucros,
muitos moradores nativos
vendem as suas pequenas
casas e abrigos
de pesca, em
geral erguidas sobre
a areia da praia,
para construção de pousadas que
avançam sobre o mar,
com aterros
e pilastras de concreto
sobre as pedras. Na praia
do Abraãozinho podemos observar um
destes atentados, onde
a praia foi aterrada e uma das pedras com as marcas dos amoladores-polidores de mais de 3.000 anos
bem danificada.
Isto é mostrado nas figuras abaixo. Na figura
1 mostramos este fato,
com a histórica
pedra em
primeiro plano
e na figura 2 detalhes
desta oficina lítica,
com os sulcos
onde foram amolados e polidos machados
e facas de pedra.
Esperamos
que estas palavras,
de alguma maneira, alertem os brasileiros interessados não
só em
nosso meio
ambiente como
em nossa
cultura, bem como cheguem aos pesquisadores
que fizeram os estudos
originais sobre
os primeiros indícios
de presença humana
na Ilha Grande. Assim como os sulcos
nas pedras foram interpretados, pode ser que alguém salve
estas verdadeiras mensagens escritas na pedra
há pelo menos
3.000 anos.
Figura 1 – Atentado
ao passado histórico
brasileiro na praia
do Abraãozinho.
Figura 2 – Detalhes
dos sulcos onde
eram amolados machados e facas de pedra pelos primitivos
habitantes da Ilha
Grande.
Leituras sugeridas: Pré-História da Terra Brasilis, Org. Maria Cristina Tenório – Ed.
UFRJ, 1999; Ilha Grande:
Do Sambaqui ao Turismo,
Org. Rosane Manhães Prado – EdUERJ, 2006.
Publicado no Montbläat.
Rio de Janeiro,
22 de agosto de 2007.
Teócrito Abritta
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