Era nossa segunda vez no Egito. Visitaríamos o que normalmente não é
visitado. Veríamos o que não é
visto.
Caminhávamos por areias
infinitas. As pirâmides de Abusir
reduzidas a três montes de pedras e terra, cercadas de ruínas de templos, inscrições
e colunas papiriformes que teimavam permanecer em pé por mais de quatro mil
anos. Pareciam as páginas de enorme
livro despedaçado, revelando aqui e ali um pouco da história destes
faraós.
A entrada da pirâmide de Sahurê estava
pouco abaixo do nível do solo, pequena abertura esmagada entre lajes de
granito. Para facilitar a passagem, deixei de fora a mochila com todos os
equipamentos, inclusive lanternas e pilhas extras – um esquecimento
imperdoável.
O guia ia à frente, seguido por mim e
Cristina. Descemos por inclinado
corredor quase obstruído, pedras desabadas do teto, fendas por todos os
lados. Morcegos adornavam o caminho,
soprando nossos rostos com os deslocamentos de ar dos precisos e invisíveis
voos na escuridão. O facho de luz do guia
mal iluminava as fendas de passagem e os lugares seguros para nossos passos. O negrume, o silêncio e as mãos ressequidas
tateando a pedra, pareciam ampliar o cheiro insuportável.
O corredor ficou horizontal,
diminuindo o medo de rolar no desconhecido.
Não me saia da cabeça o conto A
Nova Catacumba, de Conan Doyle, onde um arqueólogo abandona seu colega na
escuridão, fugindo com o único lampião disponível. Cada metro avançado, a lembrança desta
história:
...em
algum lugar, um ruído roçagante.
Atravessamos
um pórtico de granito, iniciando pequena subida.
...vago
som de pé batendo em pedra.
A câmara mortuária, em calcário de
Turah, originalmente tinha o teto formado por três pares superpostos de gigantescos
blocos de pedra, pesando, cada, umas oitenta toneladas. Hoje o grandioso é assustador. Mal ficávamos de pé, mesmo assim graças aos
dois únicos blocos não fragmentados.
Quantos dias, anos ou séculos ainda resistiriam ao esmagamento do peso
de quase cinquenta metros de rochas e areia?
Nisto, a gravidade do momento foi
conspurcada por uma voz feminina em tom desconhecido pelo Ba de Sahurê:
– Eu me arrastando, quase esquecida na
escuridão, e apenas os pés do Sahibi
iluminados!
Era
o preço do curto-circuito da cultura islâmica e latina.
...o
silêncio envolveu e engolfou o velho templo – um silêncio estagnado e pesado se
fechou.
Não resisti, tomei violentamente a
lanterna do guia e iniciamos o retorno.
Na saída da tumba, um falcão assustado
alçou voo, dando a impressão de que estava pousado nos ombros da Cristina. O guia, até então face cerrada, sorriu,
apontou o pássaro cortando o céu.
Com
alegria, disse: Hórus (*).
(*)
Deus Solar, filho de Osíris e Ísis, representado por um falcão.
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