A velha Vital Brazil atracava
preguiçosa, silenciosa. Exuberante.
Com o rouco apito, a multidão se
movimenta, corre – pra quê pressa. Crianças
cantando, pulando em voo de borboletas.
Mulheres num alarido: vem, fulano,
senta na janela... Homens alegres – cerveja no ar.
Esquece por
momentos teus cuidados
passa um domingo
em Paquetá.
Praça XV, Niterói ficando para trás.
Último olhar na Ilha Fiscal. Verde vertical, torreões e janelas, olhos
ogivais, despedindo-se no azul horizontal.
Muitos correm para a amurada. Olham para cima. O gigantesco vão central da Ponte Rio-Niterói
gira sobre suas cabeças. Crianças,
adultos, jovens e velhos. Clamor de
admiração. Crianças perguntam: ainda não caíu?
Com a quentura do sol, a bruma se
dissipa, a Serra dos Órgãos surge ao longe na linha de montanhas.
Mães gritam: vem, sicrano, olha o Dedo de Deus!
E a criançada a perguntar, falar...
A brisa quente sopra, carregando
fedentina no ar. Um grupo de estudantes
conversa: está se tornando impossível a vida
marinha. Tanto esgoto, tantos dejetos
químicos.
No azul do mar cintilam miríades de
pontos prateados.
Água podre que
cheira.
Peixe morto que
flutua.
O pequeno arquipélago vai surgindo, a
verdejante Paquetá vestindo um colar de recifes, rochas, pedras, ilhas –
Brocoió, Folhas, Itapaci, Lobos, Pancaraíba.
Sonoridade ancestral. Contornamos
a Pedra, desembarcando no porto – águas profundas, águas abrigadas.
Esquece por
momentos teus cuidados
passa um domingo
em Paquetá.
A multidão vai saindo. Alegria única.
Tal caudaloso rio, correm para praias
próximas. Outros alugam bicicletas,
passeiam de charretes ou eco táxis. Não conhecem? São triciclos elétricos, silenciosos como a paisagem.
A par da abordagem lírica de nosso
narrador, hoje não é domingo, não estamos aqui para passear. Estamos para trabalhar, documentar,
denunciar.
Paquetá, joia de conservação
ambiental, histórica e paisagística, afundando num mar de esgoto.
Do acervo da Casa de Orestes Barbosa. Paquetá, Rio de Janeiro-RJ.
Ver também a transcrição deste texto nas notas
finais.
E o pescador Santiago, outrora O Velho e o Mar, triste, solitário,
agora apenas na pedra sentado, só o mar a olhar.
Água podre que
cheira.
Peixe morto que
flutua.
Ilha do Sol, Luz Del Fuego?
Sei não. Tem é Ilha das Cobras,
para aqueles lados onde vivia uma índia nua e enrolada por serpentes. Paquetá?
Ah, o nome é porque tinha muita paca aqui. Agora só lá no Brocoió.
Tem índio sim. Tá lá
na Praia dos Tamoios. Estátua e
tudo.
Sombras que Ficam. Paquetá, Rio de Janeiro-RJ. Foto T.Abritta, 2014.
Pas Paquetá. Je ne
veux pas aller a Paquetá.
Assim vaticinou Jeanne Vauchelles,
francesinha com cinco anos de idade, há mais de duas décadas – preferia ir ao shopping, raridade da época em Paris.
Eu
não quero ir a Paquetá!
Água podre que
cheira.
Peixe morto que
flutua.
Peixe gordo que
fatura.
Notas:
Fim de Semana em
Paquetá. Composição Braguinha
/ Alberto Ribeiro.
Dois Poetas e uma Ilha,
por Alberto Ribeiro.
Chapéu
de palha e calção
um
caniço e um samburá...
Lá
vou eu, de pé no chão,
Percorrendo
Paquetá.
Um
pescador conta histórias,
Velha
rêde a remendar...
Ouço o
rodar das vitórias
E a voz
longínqua do mar...
Crianças
junto das pontes...
Alguém
ao longe a cantar.
E
os versos de Hermes Fontes
Enfeitiçando
o luar...
“Paquetá
é um céu profundo
Que
começa neste mundo
Mas não
sabe onde acabar...”
O
farol de um pirilampo
Passa,
azulado, no ar;
Segue
o caminho do Campo,
Onde
o Orestes foi morar.
No Céu há
luzes e, ao vê-las,
Grupo
boêmio, em coral,
Espalha
do Chão de Estrêlas
A poesia
imortal...
“Tu
pisavas nos astros distraída
Sem
saber que a ventura desta vida
É
a cabrocha, o luar e o violão...”
Obs. Mantida a ortografia original.
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