Estava iniciando um texto sobre minha
primeira viagem pela Sicília. Falaria
sobre Palermo, Monreale, a pequenina Érice
e a mararavilhosa Magna Grécia. Mas, frente ao poema de Murilo Mendes, tudo
mudou.
Palavras
desabaram, renderam-se às Ruínas de Selinute.
Correspondendo a fragmentos de
astros,
A corpos transviados de gigantes,
A formas elaboradas no futuro,
Severas tombando
Sobre o mar em linha azul, as ruínas.
Há mais de trinta anos me emocionei
com aquelas ruínas. Caminhei entre suas
pedras, fotografei ranhuras, fendas, colunas nascidas verticais partidas em sua
morte horizontal. Mas apenas hoje
encontrei palavras para narrar as Ruínas
de Selinute.
Severas tombando
Compõem, dóricas, o céu largo.
Severas se erguendo,
Procuram-se, organizam-se,
Em forma teatral suscitam o deus
Verticalmente, horizontalmente.
O que diziam as imagens? O que vi da outrora tridimensional Selinute, agora na horizontal-vertical dimensão
daqueles slides – cromo, como alguns
chamavam. Eu prefiro slides.
E minha volta a Selinute acabou em uma viagem fotográfica-arqueológica.
Comecei a “escavar” até chegar às
camadas mais profundas daquelas trinta caixas com material fotográfico: slides acomodados em folhas de
polipropileno – vinte e cinco em cada uma –, tiras de negativos, material
diverso, como tesouras, pinças, luvas, pincéis e até caixas de molduras de slides esperando novos fotogramas que
nunca mais chegaram. Depois de andar
pelos quatro cantos do mundo e por todo Brasil, através mais de dez mil
imagens, chego, finalmente, às ruínas desejadas.
Entre filmes negativos coloridos e slides, vou examinando cada
fotograma. Algumas imagens foram capturadas
com o legendário Kodachrome e com a
câmera Olympus OM-1. Este filme resistiu de 1935 a 2009, quando
declarado oficialmente morto. Lembro-me
que apenas vinte e cinco laboratórios no mundo revelavam esta película. Para nós, o mais próximo era no Panamá.
Pego a mesa de luz, limpo seu vidro,
ligo na tomada, aperto o botão de partida da lâmpada, e as imagens saltam nos
olhos, ampliadas por uma lupa.
Monto o velho projetor Cabin e, de sua lente luminosa, as Ruínas de Selinute brilham na
parede. Enormes pedras tombadas vão
subindo a colina desta fantástica cidade da Magna
Grécia.
A História vai falando dos horrores
das guerras que levaram a cidade rival Segesta
a tanta destruição com o auxílio dos Cartagineses seus aliados. Mais guerras.
Agora os Romanos e depois, já na era Bizantina, a fúria da Natureza com
seus terremotos.
Hoje, apenas as fantásticas Ruínas de Selinute testemunhando a
insensatez humana, a nossa fragilidade diante da Natureza tão mal tratada.
Como um tributo a esse arquivo
fotográfico, que tantas lembranças me trouxe, escrevi em uma folha de papel,
guardando cuidadosamente junto com as imagens:
Inconscientes Fotográficos
Tal
luz na pedra escura a História passa
cenários
ficam – muros rochas arquiteturas de alegrias
cores
de sofrimentos.
A
fotografia.
Outrora
em cristais de prata
hoje
pixels, registros numéricos.
Alfinetadas
na imaginação
dores
no coração
sombras
de paixão
reviravoltas
da emoção.
As
distantes e mudas ruínas, agradecidas, pareceram responder:
Nossa medida de humanos
– Medida desmesurada –
Em Selinute se exprime:
Para a catástrofe, em busca
Da sobrevivência, nascemos.
Nota:
Em
negrito versos do poema As Ruínas de
Selinute, Murilo Mendes.
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