Muito se tem falado sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Alguns chegaram a ficar indignados.
Mas não precisamos ser tão paranoicos, já que algumas letras foram até reabilitadas
e hoje podemos escrever corretamente Kafka
e Willian ou chegar a um perfeito
equilíbrio entre o Yin e Yang.
Nestas linhas iniciais já eliminamos vários acentos e foram usados
legalmente as letras K, W e Y
inexistentes, até então, no alfabeto oficial brasileiro. Ah... temos aquelas complicações dos hífens,
com dezenas de regras, contrarregras (contra-regras pela velha ortografia),
parágrafos, itens e subitens (será que está correto?).
Vamos esquecer as complicações e falar
nas vantagens para o enriquecimento de nossa língua.
Os portugueses podem ficar tranquilos,
já que continuarão a existir, por exemplo, grafias como adopção. Se fosse escrita
como adoção passaria a ler-se adução.
Uma coisa é o verbo adoptar e
outra o verbo aduzir!
Os nordestinos, com a sua pronúncia
mais aberta, serão os mais favorecidos, pois passaram a vida toda falando António e Jerónimo e tendo de escrever Antônio
e Jerônimo. Agora as duas escritas serão corretas. E os mineiros? Em parte ficarão livres das zombarias por
usarem a palavra trem para designar
qualquer coisa, qualquer treco. Os portugueses entram com os seus trens de cozinha, mas o trem da estrada de ferro, em Minas,
continua a ser chamado de trem de ferro
e em Portugal de comboio.
Mas vamos sair dos regionalismos e
pensar no enriquecimento vocabular. As calças jeans, que já foram calças americanas ou rancheiras (em Minas) poderão ser agora
chamadas de calças de ganga.
E a evolução na ciência e na informática? Agora temos os ficheiros de ordenador,
já que arquivo é tradução de file e as máquinas não computam, apenas ordenam dados de acordo com os programas feitos pelo Homem.
Do ponto de vista social, nenhum
brasileiro perderá a razão quando um médico português falar que sua esposa tem
que tomar uma pica – injeção no Brasil – ou quando pedir em
um hotel que a mamadeira do bebê seja colocada sobre a pia – vaso sanitário em
Portugal (ver, por exemplo, Dicionário
Contrastivo Luso-Brasileiro, Mauro Villar – Ed. Guanabara, 1989 - Rio de
Janeiro).
Outra grande vantagem é que algumas
palavras terão outras acepções e os pais menos preocupações com as baixarias
televisivas. Na Figura 1 mostramos o
singelo nome de uma loja portuguesa de artigos infantis.
Figura 1 – “Pra crianças”, loja de artigos infantis.
Foto T. Abritta, Portugal-2003.
Poderemos também aprender a falar mais
“claramente”, como observamos no nome da exposição de joias mostrada na Figura
2.
Figura 2 – A clareza da linguagem. Foto T. Abritta, Portugal-2003.
Para aqueles que ainda não acreditam no
enriquecimento da nossa língua, que tal ler Camões e falar mais bonito (V.
Figura 3)?
Figura 3 – Aqui...
Onde a terra se acaba e o mar começa...
Foto T. Abritta, Portugal-2003.
Para outros, que mesmo assim ainda
resistem às mudanças, não se preocupem, pois a nossa língua continuará tão bela
como o poema abaixo escrito na velha ortografia:
Língua-mar
A língua
em que
navego, marinheiro ,
na proa
das vogais e consoantes ,
é a que
me chega
em ondas
incessantes
à praia
deste poema aventureiro .
É a língua
portuguesa, a que primeiro
transpôs o abismo
e as dores velejantes,
no mistério
das águas mais
distantes ,
e que
agora me
banha por
inteiro .
atravessa a caminho
dos instantes ,
cruzando o Bojador de cada dia .
Ó língua-mar, viajando em todos nós .
No teu
sal , singra errante
a minha voz .
Adriano Espínola
Hum... Adopção desapareceu sim, completamente. Agora é "Adoção" e nós temos a perfeita noção de que se devia ler de maneira diferente, mas o Acordo não foi feito com muita lógica.
ResponderExcluirJá agora, desde quando é que, sendo uma língua composta por muitas características para gramática, fonologia, e a dita ortografia, unificar esta última resulta numa aproximação?
É que a ortografia é a característica menos importante de todas para as dificuldades de comunicação entre Brasil e Portugal (que, já agora, as poucas que há são devido às fonéticas diferentes. De maneira leiga, nós temos sons que eles não têm, e não é por mudar a ortografia que isso vai mudar.)
Surpreende-me sempre quando as pessoas pensam que se está a resistir ao Acordo porque "não gostam de mudanças." Mandem os Acordos que quiserem, mas façam-nos com lógica, feitos por linguistas, recorrendo a quem usa a língua, e não apenas a duas pessoas que convenientemente vendem dicionários.
Obrigado pelo pertinente comentário. Infelizmente a Língua como expressão máxima de uma Cultura foi desprezada e substituída por interesses mercadológicos.
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