Espírito de Minas, me visita,
e
sobre a confusão desta cidade
onde
voz e buzina se confundem,
lança
teu claro raio ordenador.
Conserva
em mim ao menos a metade
do
que fui na nascença e a vida esgarça:
não
quero ser um móvel num imóvel,
quero
firme e discreto o meu amor,
meu
gesto seja sempre natural,
mesmo
brusco ou pesado, e só me punja
a
saudade da pátria imaginária.
Essa
mesma, não muito. Balançando
entre
o real e o irreal, quero viver
como
é de tua essência e nos segredas,
capaz
de dedicar-me em corpo e alma,
sem
apego servil ainda o mais brando.
Por
vezes, emudeces. Não te sinto
a
soprar da azulada serrania
onde
galopam sombras e memórias
de
gente que, de humilde, era orgulhosa
e
fazia da crosta mineral
um
solo humano em seu despojamento.
Outras
vezes te invocam, mas negando-te,
como
se colhe e se espezinha a rosa.
Os
que zombam de ti não te conhecem
na
força com que, esquivo, te retrais
e
mais límpido quedas, como ausente,
quanto
mais te penetra a realidade.
Desprendido
de imagens que se rompem
a
um capricho dos deuses, tu regressas
ao
que, fora do tempo, é tempo infindo,
no
secreto semblante da verdade.
Espírito
mineiro, circunspecto
talvez,
mas encerrando uma partícula
de
fogo embriagador, que lavra súbito,
e,
se cabe, a ser doido nos inclinas:
não
me fujas no Rio de Janeiro,
como
a nuvem se afasta e a ave se alonga,
mas
abre um portulano ante meus olhos
que
a teu profundo mar conduza, Minas,
Minas
além do som, Minas Gerais.
Amém
Carlos
Drummond de Andrade
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