Há oito anos...
Viajando
pelo interior
do Rio Grande
do Sul , parei em
um simpático
restaurante em
Cambará do Sul onde
tocava um seleto
repertório de música
regional gaúcha . Uma das canções
era verdadeira ode
à natureza e ao tatu
em particular . E lá
ia a música cantando a esperteza deste animal, dizendo: “o tatu se esconde aqui ,
o tatu se esconde ali ”
e assim por
diante . Mas ao examinar o cardápio , fiquei pasmo com a variedade de pratos
de tatu que
apresentava. Pensei indignado como andava o desrespeito
a fauna silvestre
por estas bandas . O garçom , já acostumado com
forasteiros, vendo meu espanto se adiantou e me
explicou que não
vendiam carne de tatu ,
pois era um crime
ambiental e que aqueles
pratos eram na realidade
de lagarto . Como ? Não é também aquele bicho , é aquela parte
do boi que
vocês chamam de lagarto
e aqui no Rio
Grande chamamos de tatu ,
continuou o paciente garçom
já acostumado com as esquisitices dos visitantes ecológicos . Tudo
esclarecido, foi servido um belo prato de carne bovina , um macio lagarto à moda gaúcha .
As
minhas preocupações
não eram totalmente
infundadas. Pela
Lei Federal
no 5.197/67, a caça é proibida em todo território
nacional , sendo, entretanto, liberada na
unidade da federação
que através
de estudos científicos
determine quais os animais
que não
estejam ameaçados de extinção e que podem ser alvos dos caçadores, a pretexto
de promover o equilíbrio
ecológico , desde
que promovam também
uma efetiva fiscalização. Obviamente esta Lei
não tem nenhum
fundamento baseado
nas Ciências da Natureza ,
já que
o equilíbrio ecológico
está relacionado a predadores naturais . Infelizmente o único
estado brasileiro
onde a caça
foi permitida sob a égide
desta lei foi o Rio
Grande do Sul ,
onde a Fundação
Zoobotânica do Rio Grande
do Sul (www.fzb.rs.gov.br)
realiza os tais estudos
científicos indicando os animais para a matança e as temporadas
de caça , o que
muito agrada
as associações de caçadores locais , como a Associação Gaúcha
de Caça e Conservação
(sic). Podemos admitir
que em
alguns casos ,
como os javalis
vindos de criações paraguaias e o chamado
porco monteiro, de origem
incerta, que não
pertencem a fauna brasileira
e causam problemas no Rio
Grande do Sul, Mato
Grosso e Mato
Grosso do Sul, recebam um tratamento especial . Mas problemas como estes
devem ser administrados pelo
governo federal
sob a tutela
do IBAMA e não delegados
a um determinado
Instituto Estadual. Em tempos de preocupação
com a natureza, fica aqui a sugestão
para que algum parlamentar
com vocação
ecológica proponha modificações nesta legislação
absurda .
E
a Rainha , onde
entra nesta história ? Ela
tem tudo a ver ,
pois a caça é
uma importante instituição
britânica para
preencher a ociosidade
de sua nobreza que
se diverte com suas
cargas de cavalaria ,
toques de clarins ,
correndo pelos campos
acompanhada de dezenas de cães na perseguição de uma assustada raposa . Os que viram o filme
“A Rainha ” de Stephen Frears, devem ter
estranhado que para cuidar das reações de Harry e Willian, netos da Rainha
Elisabeth II, com a notícia da morte de sua mãe Diana em Paris, em 31 de agosto
de 1997, eles tenham sido levados a uma caçada na residência de campo de
Balmoral, na Escócia, onde estava sediada a família real. Era como se a notícia da tragédia de Diana,
despedaçada em um acidente automobilístico na madrugada deste mesmo dia, fosse
lavada com o sangue da caçada, mostrando às crianças que existe um valor maior,
que é a realeza e o Império Britânico, que está acima das pessoas. Afinal de contas, um bom caçador deve ser
frio, calculista, muitas vezes até impiedoso e familiarizado com o sangue e a
morte. Estes requisitos são importantes
na formação do caráter de futuros dirigentes britânicos, já que seu império
colonial passado, sua realeza e agora no presente seus interesses econômicos
pelo mundo afora sempre foram garantidos por extrema violência e sacrifício de
muitas vidas humanas inocentes, tal qual os animais abatidos em caçadas.
No
filme “A Rainha ”
tem também uma cena
em que
Elisabeth II ao desistir de acompanhar
seus netos
na caçada encontra um
belo alce
real , que
ao encará-la parece despedir-se da vida . Logo depois ecoam tiros ,
para finalmente
a Rainha constatar
que o belo
animal foi abatido
por mãos
plebéias. Nesta seqüência
a emoção expressada pela
Rainha poderia
hipoteticamente estar relacionada ao fato de que no ano de 1952, ao receber a
notícia do falecimento
do seu pai ,
Rei da Inglaterra, George VI, ela também
estava envolvida com atividades de caça . A jovem
princesa da Inglaterra, então com 26 anos de idade , já
estava casada há cinco anos com Philip
Mountbatten, Duque de Edimbourg e
passavam o tempo abatendo impiedosamente elefantes ,
zebras , leões
e toda a rica
fauna africana . Neste ano
o jovem casal
praticava este reprovável “esporte ” no alto
das montanhas , em
Aberdare, no Quênia, quando chegou um emissário
vindo de Nairobi comunicando o falecimento
do Rei da Inglaterra. Neste mesmo dia partiram
para Londres tendo a Princesa, como
filha mais
velha do falecido Rei ,
assumido o Reino . No caminho
de volta o povo
saudava a Princesa, mas na verdade não sabiam que já se
tratava da Rainha da Comunidade Britânica . Hoje
as ruínas das antigas instalações de caça
real , destruídas há algum
tempo por
um incêndio ,
são mantidas como
um registro
desta esta época de violência
tendo sido estas montanhas transformadas
no Parque Nacional
de Aberdare, um refúgio
da vida selvagem ,
onde foi construído
o Hotel Treetops, para
caçadores de imagens da vida animal usarem
suas lentes
do alto de suas
paliçadas e aberturas ,
focalizando os animais que diariamente visitam um
pequeno lago em sua proximidade .
O
hotel tem uma pequena
biblioteca onde
são encontradas fotos ,
documentos , registros
das caçadas e todo o histórico do período
colonial nesta região .
O
governo do Quênia leva
a sério a sua
política ambiental, fiscalizando efetivamente seus
parques e reservas
com um
verdadeiro exército
de rangers
armados de metralhadoras . Enquanto
isto aqui
pelo Brasil...
“Caçador Fotográfico ”,
Hotel Treetops, Parque
Nacional de Aberdare,
Quênia – janeiro
de 2001.
Montbläat
Teócrito Abritta
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