Neste
início de ano
resolvi não só
tirar férias, como
zerar minhas informações, deixando de ler
jornais por
mais de um
mês , de modo
a melhorar a percepção da situação nacional
e internacional . Aproveitei para reler Lima
Barreto, escritor que muito admiro. Os livros
escolhidos foram Recordações do Escrivão Isaias Caminha
e Triste Fim
de Policarpo Quaresma . Essas obras , respectivamente
publicadas em 1909 e 1911, são povoadas de personagens
abjetos , servis, sem
caráter , corruptos ,
jornalistas de aluguel e carreiristas
desavergonhados, não escapando nem o Marechal
Floriano que usa
o seu poder
de vida e morte
para sonegar impostos municipais da fazendola de sua propriedade .
Na época, uma das críticas recebidas por Lima
Barreto era que
seus personagens
estavam simplesmente sendo transferidos
da realidade como
uma chapa fotográfica
que imprime diretamente
no papel a imagem
captada, sem nenhuma criação literária
que trouxesse universalidade e
perenidade. Portanto, no futuro, as novas gerações não encontrariam nenhum
sabor em
sua obra, pois
o interesse épico
desapareceria juntamente com a geração
fotografada.
Saindo
destas reflexões, reclinei-me na cadeira, tirei os olhos da tela do computador
e deixei-os vagar por fotografias, mapas, estudos e gravuras na parede.
Em um canto, Carte Générale de l`Empiré du Brésil. Noutro mais escuro, fotografia daquela
igrejinha há muito inexistente na pequena Cataguarino – a superfície quebradiça
do papel albuminado revelava ter sido feito artesanalmente com clara de
ovo. Abaixo, nas fotos familiares,
aquelas grandes áreas espelhadas, limites superficiais da prata que tenta
abandonar as imagens, acompanhando os fotografados que partiram desta
vida. Na mesinha ao lado, a coleção de
pesos de papel de vidro colorido com seus millifiore
que não impressionam mais. As estantes
abarrotadas: modernos livros de matemática, ciências e assuntos diversos,
convivendo com as velhas lombadas da Brasiliana. Mais adiante, caneta Parker 61, uma Compactor
e mata-borrão, para não falar nos lápis HB-2. E aquele telefone preto de baquelita, perto
do tinteiro com tampas de galalite?
Levantei-me, saí andando pela casa. Na sala, máscaras africanas Massai e Macondo,
lembrando a arte de Picasso ou Modigliani.
Bonecos de barro do Alto do Moura – terra de Vitalino. Rótulos, gravados a fogo nos vidros de remédios,
anunciavam que a farmácia era mais simples e curativa: arnica, agoniada, garra
do diabo. Os 78 já se foram. Os de 33 rotações ainda cantavam na Garrard Zero - 100, maravilha
tecnológica dos anos 70.
Peguei
um LP, coloquei na vitrola. Prostrei-me
na poltrona.
Apenas
música: Noturnos de Chopin.