Se você
envolver-se com a viagem, você chegará.
Ibn Arabi
(1165-1240).
A picape 4x4 rodava macio no silêncio
daquele tapete infinito de areias vermelhas.
Majestosa paisagem. Aqui e ali,
pilares montanhosos erguiam-se a mais de mil metros de altura.
Serpenteando nos estreitos
desfiladeiros, observávamos gigantescas paredes de rochas em camadas coloridas,
como páginas de imenso livro geológico narrando capítulos de milhões de anos.
Na sinfonia de ecos, vibrando nas
estreitas fendas, o ruído do olho d’água brotando das pedras. Ao lado, contrastando com o ocre das areias,
pequenas flores amarelas colorindo o deserto.
Dezenas de pássaros em revoada nos saudavam.
Olhos fechados, tentávamos ver o
inexistente. Onde estavam os animais que
por aqui habitavam?
A fauna se foi, caçada, morta,
violentada por guerras e conflitos entre os que por aqui passaram. Mas suas marcas ficaram talhadas na pedra por
hábeis mãos humanas.
Diante de imenso paredão rochoso, a
surpresa: magníficos painéis de inscrições rupestres (1). Verdadeira viagem no tempo. Um retorno aos tempos bíblicos (2),
chegando a mais de mil anos antes de nossa era.
Lá estava a fauna perdida do Deserto de Wadi Rum na Jordânia, perto da
fronteira com a Arábia Saudita. Animais
e homens lutando pela vida.
O primeiro painel, a uma altura de uns
quinze metros, é mostrado na Figura 1. À
sua esquerda, podemos observar uma cena de luta entre dois guerreiros, armados
com espadas e escudos, e dois leões. A
cena é acompanhada por um cavaleiro, o que pode ser observado melhor no detalhe
apresentado na Figura 2. As feras
parecem ameaçar um bando de gazelas que se espalham pela área representada no
painel. No canto inferior à esquerda,
ainda podemos “ver” dois pequenos animais, provavelmente raposas do
deserto. À direita, observamos um texto
com características da escrita árabe primitiva.
Os outros dois painéis estão a uma
altura de uns cinco metros. No primeiro destes
(V. Figura 3), testemunhamos três cavaleiros caçando um bando de óryxes
(espécie de antílope das areias, atualmente existente nos desertos da Namíbia) (3).
O terceiro painel (V. Figura 4) também
representa um bando de óryxes, agora caçados por um jaguar (ver centro) e um
caçador armado de arco e flecha (ver pequena figura à direita). O jaguar é identificado pelas manchas na
pelagem e sua boca de fera semelhante a dos leões).
Saímos desta remota era com estampidos
de tiros que perfuram as graciosas figuras.
Chegamos à Primeira Guerra Mundial – ano de 1916. Tropas britânicas, que invadiram a região sob
a orientação de T. E. Lawrence, treinam a pontaria antes de combater os
exércitos turcos.
Alguns também aproveitam para conspurcar
estas maravilhas, talhando na rocha as iniciais “A N”.
Fim do domínio turco, início do império
colonial britânico.
Com o sol caindo entre as montanhas, o
avermelhado do céu confundindo-se com o colorido das areias, iniciamos o
retorno.
No caminho um tropel de camelos. Pouco adiante, um viajante perdido, com o
jipe atolado nas areias macias, sendo socorrido pela caravana – encontro da
tradição com a modernidade.
Notas:
1.
Feitas provavelmente pelos primitivos Nabateus, povo árabe que ocupou esta
região.
2.
No Velho Testamento, tempo dos Patriarcas, segundo milênio antes de Cristo,
podemos observar inúmeras menções à fauna existente no Oriente Médio. Por exemplo: leão e urso em Samuel 17.34-37;
leões em Daniel 6.1-23; lobo, leopardo e leão em Isaías 11.6-7; chacais e
avestruzes em Jó 30.29 etc.
É
também importante observar que os camelos ainda não eram domesticados nos
tempos dos Patriarcas – segundo milênio antes de Cristo. A menção deste animal nestas épocas é um erro
histórico, mostrando que a Bíblia foi escrita anos depois dos fatos narrados. Os camelos primitivos eram menores, patas
mais frágeis, sendo apenas caçados para alimentação. A domesticação deste animal, com sua seleção e
uso nas caravanas, deu-se plenamente no século VII A.C. Tais conclusões são suportadas por datações
de ossos usando técnicas de rádio carbono.
3.
Outros animais existentes nestas regiões e que possuem longos chifres curvos
para trás, são os íbexes ou cabras monteses.
Mas são muito dependentes de água, vivendo em rochas perto de fontes e
não em campo aberto como os óryxes.
-
O Governo da Jordânia criou diversas reservas, onde óryxes e outros animais são
protegidos, para posteriormente serem reintroduzidos em outros habitats
naturais.
Figura 1 – Inscrições Rupestres. Deserto de Wadi Rum,
Jordânia.
Foto T.Abritta, 2014.
Figura 2 – Inscrições Rupestres (detalhe da Figura
1),
Deserto de Wadi Rum. Foto T.Abritta, 2014.
Figura 3 – Inscrições Rupestres. Deserto de Wadi
Rum, Jordânia.
Foto T.Abritta, 2014.
Figura 4 – Inscrições Rupestres. Deserto de Wadi Rum,
Jordânia.
Foto T.Abritta, 2014.
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