Foi aqui mesmo há uns quinze anos neste
areal queimoso. Eu e o irmão cortávamos
xique-xique para o gado. O inverno já se
despedia e a seca chegava. Já tínhamos
feito umas dez viagens com o jegue carregado.
Depois era só tocar fogo para tirar os espinhos e o gadinho ia ter
comida no verão-inferno. Água tinha lá
nos açudes do lajedo. Pra socorrer tinha
ainda os canteirinhos de palma. Dureza.
Não é que apareceu aquele sujeito, tal
assombração, saído do nada? Disse que
era Geólogo e foi logo perguntando:
“Garoto, o que tem lá em cima deste
lajedo?”
“Só tem uns letreiros véios”
“Pode me levar lá?”
“Não, seu moço. Nós está trabalhando.”
“Põe tudo aqui na Land que depois levo vocês em casa.”
Eu que nem sabia que Land Rover
era um jipe
Aí, meu irmão falou num cochicho:
“Eu
vai junto. Se tiver precisão, nós mata
ele com o facão.”
Tempos depois, peguei a bicicleta e pedalei
uns seis dias chegando à Serra da Capivara no Piauí. As Professoras ficaram encantadas quando
viram as pedrarias e os ossos que levei.
E assim entrei para o fabuloso mundo da
Arqueologia e Geologia. Hoje, nosso
amigo e Professor se foi, mas como eu, ficaram muitos para preservar este
passado gravado nos lajedos e locas nas beiradas de rios por esta caatinga
afora.
Agora estudo Geografia e já estou
apresentando meu quarto trabalho no Congresso Internacional de Arqueologia, semana
que vem em São Paulo. Tudo com material
daqui: inscrições, fósseis, rochas e testemunhos arqueológicos diversos.
Como vocês podem imaginar, este lajedo por
sua beleza atraía povos neolíticos, assim como nós hoje admiramos estas rochas
que parecem sair do chão num céu azul (V. Figura 1).
Figura 1 – Sítio do Bravo, Boa Vista,
Paraíba. Foto T.Abritta, 2011.
Figura 2 – Sítio do Bravo, Boa Vista,
Paraíba. Foto T.Abritta, 2011.
Algumas pedras são polidas e inscrições
feitas em baixo relevo, depois pintadas (V. Figura 2). O amarelado é óxido de ferro. Usavam também sangue para pintar de vermelho,
e óxido de manganês ou carvão misturado com gordura para o preto. Os corantes orgânicos em geral desaparecem
com o tempo. Algumas inscrições são
superposições do trabalho de diferentes gerações que por aqui passaram (V.
Figura 3).
Figura 3 – Sítio Bravo, Boa Vista,
Paraíba. Foto T.Abritta, 2011.
Tenho planos para fazer um museu com todo
o material já coletado. Só de machados
de pedra polida, tenho uns oitenta.
Afora moedores, riscadores, peças feitas de ossos, raspadores e cortadores
de pedra lascada, fósseis. E muito
mais.
Uma história interessante, é que o
sertanejo diz que esses machados são coriscos que caem do céu e afundam no
chão. A cada ano sobem um metro, até
serem achados por alguém.
Deitem no chão! Rápido!
E aqui entra o narrador-escritor, até
então calado:
Um zumbido ensurdecedor foi
chegando. O céu escureceu com o enxame
de abelhas que passou.
Nas pedras nuas, feridas pelo sol, sobrevivência
no Sertão.
Só eles sabem.
Nota:
Crônica dedicada ao Geólogo
Eduardo Bagnoli (in memoriam) e a Djair Fialho, nosso Arqueólogo do Sítio do
Bravo, Boa Vista – Paraíba.
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