A
década de 70 foi uma época
de grande repressão
e violência política . Alguns
jovens tentavam procurar
caminhos nas filosofias orientais e nos
misteriosos povos do Himalaia. Livros
como Sidarta,
de Hermann Hesse e O Fio
da Navalha , de Somerset Maugham
faziam muito sucesso . O primeiro
descreve, em forma
de romance , a vida
de Sidarta que no fundo
era a vida
do próprio autor ,
em sua
busca de credos
mais autênticos
em peregrinação pela
Índia .
O segundo romance
é sobre a odisseia espiritual do jovem Larry buscando um
sentido para
a vida e para
a morte após os horrores da Segunda
Guerra Mundial.
Darjeeling, o reino
do chá .
Darjeeling
e o Reino do Sikkim ficam em uma pequena região nos
contrafortes do Himalaia, entre o Nepal
e Butão, fazendo fronteira ao norte com o Tibet, na
parte mais
setentrional do atual
estado indiano
de Bengala Ocidental . O único
aeroporto fica na cidade
de Bagdogra, de onde se pode pegar um pequeno trem a vapor na cidade
próxima de Siliguri e chegar
a Darjeeling ou Kalimpong, desembarcando
em estações
ferroviárias dos tempos dos Rajás , com altitudes
de quase mil e quinhentos metros . Pode-se chegar
também percorrendo os noventa quilômetros de estrada
a partir do aeroporto ,
o que leva
um dia
inteiro , já
que a via tem
um asfaltamento precário ,
um intenso trânsito de caminhões
em mão
dupla e é margeada de cidades e povoados com
multidões de pessoas , animais e vacas
sagradas entre os veículos
que buzinam freneticamente.
No
final do dia
chegamos à mítica Darjeeling, a antiga capital de verão
de Bengala Ocidental . A cidade
tem a aparência arquitetônica de um bairro popular da Baixada
Fluminense , transplantado e moldado nas alturas das montanhas ,
mas com
sua
feiúra atenuada pelo
verde das plantações
de chá .
As construções escalam aleatoriamente
as encostas , em
um equilíbrio
tecnicamente impossível , acompanhadas de
uma profusão de fios e tubulações de gás
que atravessam ruas ,
sobem paredes e becos ,
dando impressão de que tudo está prestes
a explodir . Mas , passado o impacto com este caos
causado pela bomba
populacional, começamos a gostar e admirar
a diversidade humana
e cultural do povo da região. A par
da população original ,
os Lepchas – que falavam Rongaring, uma língua Tibetano-Burmanesa –, temos os Gurkhas, um povo guerreiro , os Sherpas, Bengalenses, Tibetanos,
Nepaleses e muitos outros ,
com uma grande
riqueza de línguas ,
trajes e costumes . No meio
daquela multidão nos
sentimos muito bem ,
pois não existe
nenhuma insegurança , todos
são extremamente
educados e atenciosos , ninguém fala alto ou com irritação . A maioria
das pessoas é muito
pobre , dando a impressão
de que se alimentam apenas
com o mínimo para se manterem vivos ,
desmentindo tese de nossos “pensadores ” de que
violência e pobreza
são indissolúveis .
Sikkim, o reino
virtual
O
Reino do Sikkim foi fundado por budistas de origem
tibetana no séc. XVII, tendo a dinastia
dos Chogyals reinado até 1975, quando
através de um
plebiscito foi anexado à Índia , encerrando o reinado
de Palden Thondup, o último Chogyal. Entretanto
mantém o status de reino virtual ,
conservando sua História
e Cultura.
A
partir da “fronteira ”
seguimos por uma estrada
precária , mas
muito movimentada ,
que sobe as montanhas
serpenteando ao longo do vale
do Rio Teesta.
Neste caos rodoviário
sentimos pulsar e respiramos a tão
saudada economia indiana ,
pelo ruído constante das buzinas ,
pela poluição
causada pelos caminhões
Tata ,
de fabricação indiana ,
e pelo casario
que nos
acompanhava, como se uma cidade infinita
fosse espichada ao longo do nosso caminho ,
lançando toda a sorte
de dejetos nos
rios que
deveriam ser cristalinos
como as águas
das montanhas , mas
que se apresentam encardidos pela degradação ambiental.
Esta
explosão demográfica indiana assusta quando
começa a subir
pelos Himalaias, destruindo tudo pela frente , inclusive a vida animal . Nas planícies
indianas, as plantações de arroz invadem a natureza
selvagem e a todo
momento observamos cercas
eletrificadas, que tiram dos elefantes – encarnação
do deus Ganesha – o direito
de ir e vir e de sobreviver , já que não podem comer nem arroz , nem os seus alimentos naturais com a invasão de seu habitat . Os Tigres de Bengala ,
que chegavam a quarenta mil no início
do século passado ,
hoje são
pouco mais
de três mil . Cada vez que um tigre mata um humano ‒ ato extremo
de sobrevivência ‒ outros são impiedosamente
assassinados, desagradando Shiva, que
responde com mais
sofrimento para os homens .
Gangtok,
a capital deste reino ,
no alto das montanhas ,
a mais de mil e quinhentos metros de altitude ,
tem a aparência de uma favela
urbanizada por uma empreiteira
brasileira, com suas
ruas tortas ,
pavimentação precária , esgoto escorrendo pelas calçadas
e tanta gente
que não
dá para imaginar como sobrevivem.
Mas a beleza
de seus templos ,
como os monastérios
Enchey, Rumtek e o Instituto Namgyal de
Tibetologia, em muito
contribuiu para o sucesso
de nossa “peregrinação ”.
No
Instituto de Tibetologia, que tem uma fantástica
biblioteca de escrituras
budistas medievais ,
fomos obrigados a uma meditação em plena escuridão , pois um grupo de mongezinhos endiabrados apagou as luzes do templo
e cerrou as enormes portas ,
divertindo-se para valer . Em outros templos
fomos surpreendidos por monges atendendo telefones celulares
durante a récita
de mantras . Mas o mais marcante
foi a visita ao Monastério
Rumtek.
A
nossa despedida
do Monastério Rumtek foi solene. No portão
de saída a guarda
formada por militares
Sikhs, como se perfilada, nos devolveu os passaportes ,
todos com
um sorriso
inimaginável naquelas faces condicionadas para a
guerra. Saudaram-nos com as palavras :
Ronaldo, Ronaldinho. Fomos tratados com honra
protocolar de verdadeiros súditos do Reino Encantado do Futebol ,
onde impera somente
alegria entre
os homens .