O município
fluminense de Rio
das Flores é uma espécie de Vale do Loire brasileiro ,
tal a quantidade
de casarões centenários ,
antigas sedes de fazendas
cafeeiras. Muitos
estão restaurados com esmero , onde o visitante pode imaginar a riqueza que o café produziu e a pobreza
que deixou, devido
à irresponsabilidade ambiental na conservação dos solos .
Nestas fazendas, admiramos não só os jardins de Glaziou, as pinturas
do artista catalão
Villaronga, como podemos também estudar a História da Ciência
e Tecnologia pouco
explorada pelos especialistas . Em Rio das Flores viveu Santos Dumont na infância, onde
despertou suas habilidades
técnicas com
observações dos sistemas hidráulicos e mecânicos
usados no maquinário de beneficiamento, ensacagem e transporte
dos grãos de café . Dezenas de rodas
d’água , moinhos ,
calhas gigantescas e dispositivos diversos.
Na região
foi também introduzida pela primeira vez no Brasil, em
1854, a iluminação a gás – na época ainda
inexistente nos
palácios imperiais do Rio
de Janeiro –, por
Domingos Custódio
Guimarães, primeiro Barão e depois
Visconde do Rio
Preto , que
instalou um sistema
de iluminação a gás
na fazenda Paraíso (*).
Aqui, maiores
surpresas revelam-se quando atravessamos uma pequena ponte ,
entrando em Minas
Gerais .
Primeiro , visitamos o vilarejo de São José das Três
Ilhas. Na única rua ,
casario histórico em
excelente estado
de conservação , emoldurando gigantesca igreja de pedra
totalmente restaurada. Depois ,
entramos no outrora domínio
do Barão das Três
Ilhas, para sermos recebidos por seu bisneto, na fazenda
Boa Esperança, que continua sobrevivendo com
a dignidade que
merece este inigualável
patrimônio .
A caminho
para esta fazenda nos perdemos nas estradas de terra . Como da primeira
vez em que
aqui estivemos, surgiu do nada , como
passe de mágica , um
imenso carro
de boi e o condutor
nos deu as informações
necessárias. Concluí que era lugar
encantado, rasguei mapas e anotações, simplesmente escrevendo:
“Minas sempre guarda mistérios
que surpreendem. Para
chegar aos domínios
do Barão, saia da estrada
principal , que
a esta altura já
é secundária , atravesse uma ponte , pegue a estradinha de terra
e, ao encontrar um
carro de boi, pergunte ao condutor, e ele lhe dará a chave da descoberta .
Caso não
o veja, passe outras vezes , vale à pena .
Por hora, só
isto posso dizer ”.
Ao chegarmos a Boa Esperança, fomos
recebidos pelo proprietário, Sr. Maurício Monteiro
de Barros Pinto ,
fazendo ele questão que entrássemos pela porta principal , que há muito
não era aberta . Passamos pela sala de recepção. Pendurei o boné na chapeleira ,
como faziam os visitantes ilustres da corte, com
seus chapéus e bengalas. Subimos pequena escada.
Cada degrau, cada passo rangia nos saudando.
Foram horas nos salões , capela , quartos
e tulha .
Examinamos dezenas de objetos,
livros, documentos, mapas e fotografias.
O momento mais emocionante foi quando
o Sr. Mauricio acendeu uma luminária
elétrica, com duas lâmpadas
centenárias, de fabricação da General Electric – o acervo
da fazenda
tinha também
outra sobressalente ainda
não usada. Tratava-se de lâmpadas elétricas de filamento de fita
de carbono , inventadas por
Thomas Edson em 1880 e industrializadas pouco tempo depois .
Lâmpada
elétrica de filamento
de fita de carbono. Fazenda Boa Esperança,
Belmiro Braga,
MG. Foto T. Abritta, 2005.
Na despedida
dos domínios do Barão
nos foi oferecido um
café imperial, com
queijo de Minas ,
broa de milho
e toda a sorte
de iguarias da roça ,
inclusive manteiga
de verdade . A
louça usada era
fina porcelana inglesa, que magicamente sobrevivia, assim
como toda
a fazenda .
Outro dia
espero voltar , contando com
as orientações e magia daquele carro de boi .
E aqui
fica esta pequena colaboração
para a nossa História, tão perdida,
esquecida e chamando-nos para se exibir.
Nota: (*) Originalmente a iluminação das fazendas era feita com lampiões
alimentados com óleo de mamona . Com a novidade da iluminação
a gás , tubulações
eram instaladas em todos
os cômodos dos casarões ,
ligando a central de produção
às luminárias distribuídas pelas salas . Na produção do gás eram
usadas pedras de carbureto
– carbeto de cálcio – que em contato com a água produzem o gás
acetileno que
é queimado. Este mesmo sistema ainda é
usado nas lanternas de espeleólogos.
Do livro "Memória, História e Imaginação".