No Montbläat 322, de 6 de fevereiro de
2009, Anna Maria Ribeiro nos brinda com uma crônica muito interessante
intitulada “4 de janeiro de 1959” (*). Nesta data, um grupo de brasileiros voava
para Nova York, quando o avião teve que fazer um pouso de emergência em Camaguey,
Cuba, no dia em que Fidel Castro entrava vitorioso na cidade. Os brasileiros não puderam sair dos limites
do aeroporto, mas levaram como lembrança deste dia uma fotografia onde Anna e
sua amiga Elsie formavam um grupo com os guerrilheiros que ocupavam a região
(V. Figura 1).
Figura 1 – Aeroporto de
Camaguey, Cuba, “4 de janeiro de 1959”.
Esta crônica é um exemplo de como os
arquivos familiares podem contribuir para a História. Hoje os documentos oficiais em geral são bem
conhecidos, mas existe uma riqueza de informações que podem ser obtidas
diretamente dos cidadãos que vivenciaram fatos e não têm dívidas de gratidão
com o poder. Este tipo de História
muitas vezes torna-se incômodo para os Cientistas Sociais que preferem
trabalhar com modelos teóricos, desprezando informações que não se encaixam no
universo histórico já estabelecido (**). Mas vamos deixar estas digressões de lado e
apenas ficar com a mensagem da importância de conservarmos velhos papéis e
fotos que entulham nossas gavetas, mas que podem trazer informações que
transcendem o mero interesse de memória familiar.
Neste sentido vamos falar de uma
história que começou com o registro fotográfico de uma família em férias, mas
que resultou no estudo sistemático da redução de um glacial através dos tempos,
dando grande contribuição para a fotografia e a ciência.
Tudo começou em 1887, quando George
Vaux e seus três filhos, Mary, George Jr. e Willian retornavam para Filadélfia
após longa viagem pela costa oeste americana, e se hospedaram no recém
inaugurado Glacier House Hotel no
coração das montanhas Selkirk, na
Colúmbia Britânica. Ficaram maravilhados
com o cenário, fotografando não só estas montanhas como as adjacentes e
impressionantes Canadian Rockies.
Esta experiência foi tão fascinante
para a família, que eles retornaram a esta região em 1894 e sucessivamente, por
diversos anos, fotografando e estudando a natureza. Logo após o primeiro retorno, eles já
observaram que o Glacial Illecillewaet,
que era o maior glacial perto do hotel, tinha diminuído em extensão. Nas demais viagens, sob a supervisão de
Willian, que era engenheiro, eles fizeram medidas científicas detalhadas,
produzindo o primeiro documento da retração de um glacial no Continente Norte
Americano (V. Figuras 2 e 3).
Como os “Vauxes” eram da religião
Quaker, foram criticados pelo seu envolvimento em fotografia que era
considerada uma arte e, portanto, uma atividade frívola e improdutiva. Os “Vauxes” sabiamente contornaram os problemas
com os seus pares religiosos, alegando que, neste caso, a atividade fotográfica
era puramente científica, e passaram a participar de várias exposições
organizando inúmeras atividades na Sociedade
Fotográfica da Filadélfia.
As mais de 3.000 fotografias da família
Vaux hoje fazem parte do acervo do WhyteMuseum of the Canadian Rockies.
Figura
3 – Foto de 2002 mostrando as posições originais que atingiam um dos glaciais
da região em anos diferentes.
Este é um exemplo de como uma atividade
inicialmente amadora e de registro de lembranças familiares, pode se transformar
em contribuição científica de fotografia aplicada, já com caráter profissional.
Notas:
(*)
Esta crônica foi inspiradora para o conto O
Professor Acendeu o Charuto. Publicado
em Cidades de Memórias, Teócrito
Abritta. Oficina do Livro, Rio de
Janeiro, 2011.
(**) Ver, por exemplo, Testemunho VI: em prosa e verso – Oficina Literária Ivan Cavalcanti
Proença, Rio de Janeiro, 2011
Publicado
originalmente no Montbläat, fevereiro
de 2009.